"Tragédia", "desastre", "caos" e "lama" são algumas das palavras que acompanharam o nome da cidade de Mariana, em Minas Gerais, depois que uma barragem de rejeitos se rompeu no distrito de Bento Rodrigues no início de novembro. Porém a realidade é outra: exceto pelo local destruído, a cidade está intacta. O núcleo histórico, composto pela airosa arquitetura lusitana, com casarões, igrejas, museus, ruas de pedras, sacadas com balcões de ferros trabalhados e janelas em arcos, continua o mesmo.
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Afora o episódio em Bento Rodrigues, tudo está como sempre esteve. Em nenhum dia o município sofreu com a falta de água – caso de diversas cidades adjacentes, como Governador Valadares. Mariana não foi atingida por uma gotícula de lama sequer. E, agora, quem sofre com isso é a população que vive do turismo. Com medo, ninguém quer viajar para lá."As pessoas não vêm porque estão achando que Mariana está acabada. Não tem nada de barro, de lama. Foi distante daqui", desabafa a comerciante Girlei de Cássio
O fato vem à tona quando a equipe da VICE para em frente a uma loja de artesanatos em pleno centro histórico. Pela janela, a proprietária Girlei de Cássio comenta com um amigo que a falta de turistas está afetando os negócios. "As pessoas não vêm porque estão achando que Mariana está acabada. E não é. Não é isso que está acontecendo", informa à VICE. "Não tem nada de barro, de lama. Foi distante daqui."De fato, o distrito de Bento Rodrigues fica a 35 km do centro histórico do município.O movimento fraco tem afetado a matemática na hora de pagar as contas. "É bem problemático", lamenta Girlei. "Se a gente não vende, complica as despesas que temos no final do mês." Ao se despedir da nossa equipe, a comerciante agradece os poucos objetos que compramos. Apesar de a noite estar caindo e as portas do estabelecimento prestes a serem abaixadas, Girlei suspira baixinho: "Foi minha primeira e única venda do dia".
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Para Tane Chiriboga, presidente da Mariana Tur, associação formada por hoteleiros e proprietários de restaurantes, o foco da cidade sempre foram os "turistas de negócios". Ela explica: "Pessoas que prestam serviço pra Vale, pra Samarco, empreiteiras. Essas pessoas não estão vindo porque a Vale está parada e a Samarco está parada."Ironicamente, a Samarco é a empresa responsável pelo rompimento da barragem. A Vale, por sua vez, é detentora de 50% da mineradora.Tane relata que tem recebido e-mails de turistas perguntando se é necessário levar água para a estadia em Mariana. "Eles acham que a cidade está sem infraestrutura."
Atrás do balcão, o Sr. Zé Dutra aguarda seus clientes, que demoram a aparecer. Proprietário de uma loja de armarinhos, ferramentas e artesanato, ele conta que o negócio foi herdado de seu pai e funciona desde 1947. Para ele, Mariana continua a mesma. "Mas os turistas diminuíram. Isso afetou muito o movimento comercial das redondezas."Procurada pela reportagem da VICE, a prefeitura de Mariana informa que está preparando um levantamento mais específico para detalhar de onde vêm as receitas do município. Por ora, ela adianta que 80% vêm da mineração. Os outros 20% se dividem entre o turismo e o comércio local.
"Essas informações distorcidas vêm rebentando com a economia local", destaca o guia turístico Geraldo Zuzu sobre as reportagens publicadas envolvendo a cidade de Mariana
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O secretário de turismo do município, Vicente Freitas, não havia respondido ao pedido de entrevista da VICE até a publicação desta reportagem.
Geraldo Zuzu, que há 40 anos trabalha como guia turístico em Mariana. Foto: Felipe Larozza/VICEGuia turístico há 40 anos na cidade, Geraldo Zuzu acredita que o grande problema foi nunca ter desenvolvido outras formas de gerar dinheiro. "O que estamos vendo é isso: uma certa mendicância", destaca. "A impressão que dá é que a cidade não tem uma outra fonte. E ela realmente não tem. Mas, por outro lado, temos de convir que nós pecamos em não desenvolver aqui uma política alternativa de emprego."Para ele, a administração pública peca. "O que nossos governadores ainda não perceberam é que minério só dá uma safra. Assim como o ouro entrou em escassez, o minério também vai entrar." Geraldo se refere aos tempos áureos da exploração do ouro em Mariana, que se tornou a primeira capital do Estado depois da concorrência entre as vilas que arrecadassem a maior quantidade do cobiçado minério.Apaixonado pelo município, o guia turístico, que começou guardando carros na rua durante a juventude, cita os pontos mais visitados da cidade, como a Catedral da Sé, o Museu de Arte Sacra e as igrejas São Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo. Ele também relembra como o lugar foi construído. "Os portugueses fizeram Mariana nos moldes das cidades interioranas de Portugal pra evitar que sentissem saudade de seu país de origem", conta, inspirado.
Geraldo acredita que a imprensa tem colaborado com a situação atual, em que lojas e ruas vazias fazem parte do cenário da cidade. "Essas informações distorcidas vêm rebentando com a economia local."Para somar na situação calamitosa, a ausência da Samarco também afetará a região. "A cidade vai perder receita", afirma Geraldo. "Vai perder parte do royalty dela do minério. Então, isso vai trazer pra dentro de Mariana uma condição desesperadora", conclui.Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.