​Por dentro do busão-balada de Pokémon Go em São Paulo
Com open bar e sem Wi-Fi, um ônibus executivo rodou quatro horas pela cidade para acomodar entusiastas do álcool e de monstrinhos virtuais. Foi meio estranho? Olha, foi, foi sim. Crédito: Brunno Marchetti

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​Por dentro do busão-balada de Pokémon Go em São Paulo

Com open bar e sem Wi-Fi, um ônibus executivo rodou quatro horas pela cidade para acomodar entusiastas do álcool e de monstrinhos virtuais. Foi meio estranho? Olha, foi, foi sim.

"Vai ter bebida pra todo mundo?", perguntou o designer Rafael Quiarella, de 31 anos, na entrada do ônibus do evento PokeBus Open Bar, na noite do último sábado, em São Paulo. "Pokémon eu sei que vai ter, mas eu quero é chapar coco!"

A resposta foi um tímido "sim", logo encoberto pelo grito uníssono de mais de 20 pessoas: "Tem um bulbassauro! Um bulbassauro aqui!".

Começava ali, às 19 horas e 40 minutos, em frente à estação Santa Cruz de metrô, quatro horas de passeio de ônibus por São Paulo, com o nobre objetivo de caçar monstrinhos virtuais e encher a cara pelo preço de R$ 79 o ingresso.

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Discussão empolgada com Natally Mendonça a respeito dos pokémons que seriam capturados na noite. Crédito: Brunno Marchetti

Não seria a primeira festa ou negócio no país pensado para surfar na onda de Pokémon Go. Já tivemos o motoboy cearense que anunciou passeios para ajudar os treinadores a capturar todos, os PokeCar em Divinópolis e algumas baladas temáticas em São Paulo. Nenhuma delas, porém, com o mesmo charme de rodar a capital paulista em um ônibus executivo regado à vodka barata e muita cerveja. A ideia do empreendimento veio da Juca na Balada, uma empresa que costuma trabalhar com venda de ingressos e excursões para eventos como rodeios no interior paulista. Ao que parece, Pokémon Go e baladas em ônibus são o novo filão para a empresa.

O começo da jornada foi promissor. Entre o colégio Arquidiocesano e o Shopping Metrô Santa Cruz estão localizados três Poke Stops, o que deixou a espera menos angustiante para os pókebaladeiros.

Pouco depois de acomodados os 31 passageiros, o monitor da viagem começou a passar os recados mais importantes. "Pessoal, vocês podem beber à vontade, mas não vamos perder a dignidade", disse, com um uniforme laranja com o logotipo da empresa responsável. "O ar condicionado que passa pelo banheiro é o mesmo do resto do ônibus, então vamos ter calma no que vamos fazer lá." Todos riram. "Cuidado com os Koffing!", entoaram alguns.

Embora o evento criado no Facebook fosse bem claro sobre o tipo de transporte, ainda existia em mim a esperança de ser um ônibus-balada com bar, barman e até bebida que pisca. Foi meio desanimador se perceber dentro de um ônibus executivo bem comum. Quem pagou pelo pacote, no entanto, não parecia ligar muito para isso.

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A timidez da hora da entrada foi desaparecendo à medida que quilometragem e a quantidade de álcool no sangue aumentavam. As bebidas ficavam posicionadas no começo, no meio e no fim do ônibus. Todos iam e voltavam com copos cheios. "Um brinde a cidade de Pallet", disse um, brindando sozinho.

Victor Zalclerg, Rafael Quiarella e Danilo Carlos Campanelo se espremem pelo corredor na missão de reabastecer seus copos. Crédito: Brunno Marchetti

A maior parte dos caçadores ficou sabendo do passeio por meio do Facebook ou de anúncio feito em vídeo dos youtubers Irmãos Piologo. A analista de inovação, Letícia Reis, de 27 anos, viu pela rede social. "Como não tem Poke Stops na minha vida, nem no meu trabalho, nem onde eu moro, achei uma boa vir", contou. Mesmo chamando vários amigos pelo Facebook, apenas Pamela Rodrigues, de 28, aceitou acompanhá-la na missão.

No que Letícia acaba de falar, o ônibus que seguia em direção à Avenida Paulista vira para uma rua paralela, a Alameda Campinas, e depois vira novamente na rua São Carlos do Pinhal. As amigas e o resto do ônibus gritam em uma só vóz: "Nããão!".

A razão para o desespero era simples: a Paulista é um dos pontos com mais Poke Stops em São Paulo, onde uma multidão de jogadores se encontra no cruzamento com a Rua Peixoto Gomide. A situação foi apaziguada quando alguém colocou um rock genérico pra tocar no rádio.

Paradas (e vômitos) no parque e no cemitério

"Motorista você tá indo muito rápido, pensa no meu ovo!", reclamou o telefonista Danilo Carlos Campanelo, de 30 anos. Mesmo sem conseguir chocar seu pokéovo com facilidade, Campanelo não parecia desanimado." Chamei minha mina pra vir comigo, mas ela achou bobo. Falou que só ia ter criança aqui". E completou: "não foi pelo Pokémon que eu vim, mas sim pelo open bar!".

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O motorista Almir Pereira Silva, de 40 anos, era o responsável por conduzir a caçada. Para ele é muito mais interessante conduzir o ônibus em dias de festa e em viagens como esta. "O pessoal vem no pique de se divertir", diz. "Mesmo quando passam um pouco da conta e começam a reclamar a respeito da velocidade ou do trajeto escolhido, é puro divertimento." Ele conhece Pokémon, mas particularmente não joga. Prefere deixar essa parte para os passageiros.

Danilo Carlos Campanelo foi um dos poucos que preferiu ficar no ônibus no Cemitério da Consolação. Crédito: Brunno Marchetti

Na primeira parada, já no Cemitério da Consolação, a excursão esticou as pernas. Ninguém parece ter medo de perder o celular, nem de chamar a atenção na rua. A auxiliar administrativa Natally Mendonça, de 27 anos, comemora o fato de seu primo trabalhar na empresa que organizou o evento. Ainda assim, conta ter passado por dificuldade para estar presente no evento: teve que pedir permissão para a mãe, que não apoia muito o gosto da filha. "Ela não entende, mas são mais de 20 anos de amor a Pokémon", comentou, ostentando um boné igual ao do protagonista do desenho enquanto mostrava fotos de sua coleção de produtos inspirados na franquia. Para ajudar a tranquilizar a mãe, Natally foi acompanhada do namorado.

Passado a meia hora de parada prevista pela organização, hora de rodar por São Paulo mais um pouco. A desproporção entre os sexos ficou ainda mais perceptível. Dos 31 passageiros do ônibus, a maioria era masculina. Com todos mais bêbados, os homens começaram a ficar mais barulhentos, e as mulheres a achar tudo mais engraçado.

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A natureza escolar do passeio também passou a se manifestar em sua forma mais rudimentar. Rafael Quiarella puxava a cantoria – clássicos do pagode até músicas de animes exibidos nos anos 1990 e 2000. A metade mais bêbada dos caçadores acompanhou a cantoria. Os que optaram pelo passeio um pouco mais sóbrios não estavam curtindo tanto assim.

Victor Zalclerg mesmo com seu jogo travando conseguiu pegar alguns pokémons. Crédito: Brunno Marchetti

A segunda e mais aguardada parada foi no Parque do Ibirapuera. Nesta etapa os avisos iniciais da equipe mostraram que, mesmo sendo óbvios, precisavam ter sido levados a sério. Um dos passageiros não aguentou a emoção da jornada Pokémon e, sem conseguir manter a dignidade, vomitou no estofado do ônibus. Ajudado pelos amigos a pegar uma carona para casa, deixou no cheiro a lembrança de sua presença.

O passeio noturno pelo parque deixou os passageiros mais felizes do que o cemitério, mas era possível ver que alguns não estavam curtindo tanto assim. Além do cansaço, alguns ficaram decepcionados com o que encontraram. Acharam que o evento seria mais festivo e melhor equipado. O advogado Victor Zalclerg, de 28 anos, era um deles. Depois de reclamar da falta de Wi-Fi no ônibus, disse que ficou decepcionado com a ausência dos Irmãos Piologo. "Soube pelo canal deles, fiquei chateado, achei que eles fossem estar aqui."

O relógio indicava onze horas da noite. Era hora de voltar. A maioria dos passageiros preferiu seguir no ônibus, embora houvesse a opção de permanecer no parque. A viagem de volta foi regada à mais álcool e músicas a capella. A diferença foi que, dessa vez, os passageiros se concentraram no fundo do veículo, muito provavelmente para fugir do vômito cujo cheiro se espalhava por todo o lugar.

"Existem muitas coisas a ser melhoradas, a começar pelo ônibus, que poderia ser um ônibus-balada mesmo, sem os bancos e com espaço dentro", disse o empresario Giorgio Toniolo, de 26 anos. Ele gostou da viagem e pretende voltar numa próxima edição com seus "bróders". Toniolo foi com a namorada que também se divertia bastante. Nos momentos finais da viagem, porém, ele não se segurou mais e atestou: "Meu Deus! É muito nerd por metro quadrado aqui!"