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'Destiny 2' é mais um grande game que não sabe como terminar

MMO da Bungie mostra como jogos massivos não sabem contar o fim de suas histórias.
Todas as imagens: Activision/Divulgação.

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

Contém spoilers da campanha single player de Destiny 2.

Algo muito estranho acontece no final de Destiny 2. Você passa o jogo inteiro lutando contra Dominus Ghaul e sua Legião Vermelha para recuperar o Viajante, uma esfera mágica gigante, e sua Luz que dá poderes aos heróis da franquia Destiny. Você começa viajando pelo sistema solar juntando aliados para sua missão final, e está no último estágio do plano. Claro, tem uma última luta com o chefe Ghaul em que você atira na cara dele por uns 15 minutos, e não é uma coisa muito complicada. Ele morre, como todos os chefões morrem, e aí a coisa estranha acontece.

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Você assiste uma cutscene onde o corpo sem vida de Dominus estremece. Um raio de luz o ilumina, viajando até o céu e detonando um lânguido fogo de artifício. Asas líquidas surgem, e Dominus Ghaul reaparece. Ele se desdobra no espaço, feito de pura luz, parecendo coberto de cera de vela. Ele é enorme, muito maior que qualquer figura que já vi em todos os jogos Destiny, e começa um monólogo de vilão. “Sou imortal! Um deus! Você falhou! Testemunhe o começo de uma nova era!” Assim que ele acaba, a esfera Viajante rachada explode e o aniquila. Sobe os créditos.

Não faz muito sentido, e nem os fãs mais dedicados parecem interessados em descobrir o que realmente acontece aqui. Acho que o corpo líquido gigante de Dominus Ghaul é um sintoma de um problema maior dentro da produção de videogames: jogos do tipo blockbuster sempre precisam ir além do que já fizeram antes.

O enredo de Destiny 2 é um exemplo de progressão narrativa. Primeiro os Guardiões são reduzidos a nada. Dominus Ghaul rouba seus superpoderes e os transforma em meros humanos. Da posição de perdedores, eles podem se reconstruir. Eles conseguem um pedacinho da Luz de volta, só um pouquinho de superpoderes, e com isso eles pulam de planeta em planeta recrutando seus aliados e aumentando a equipe. Aí parece que o sol pode ser destruído, então vão surgindo mais e mais missões para roubar códigos-chave e uma espaçonave. Finalmente, o jogador pode explodir a máquina que deveria destruir o sol, mas espere! Dominus Ghaul finalmente dominou o Viajante!

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A razão para Dominus Ghaul se transformar literalmente num monstro gigante no final do jogo é que a missão anterior acabava com o jogador parando uma máquina que ia explodir a porra do sol. O que poderia ser maior que isso? Com certeza não um cara que só é um pouco mais alto que o jogador? Qual o superpoder dele mesmo? Ele brilha? Como o final da Jornada de Neo, a progressão narrativa só pode escapar indo acima da escala e do nível de ameaça. Você achou que o sol estava em perigo? Agora a galáxia inteira vai ser destruída sob o peso da “nova era” de Ghaul.

Os desenvolvedores de Destiny 2 sabem que isso não funciona de uma perspectiva de jogabilidade, então não se importaram com isso. Esse é um lugar fácil para colocar o Viajante interferindo e abrir uma era diferente para as relações entre guardiães e o Viajante, então eles aproveitaram a oportunidade e eliminaram Ghaul. Mas isso não muda o fato do que, em se tratando de narrativa, precisa acontecer. As apostas precisam ser mais altas. Temos que ver um kaiju gigante do Ghaul para saber que as coisas podem ser muito piores.

E isso, claro, não acontece só nesse jogo. É algo bem comum em roteiros na era dos blockbusters. Filmes e séries de TV buscam constantemente novas áreas de expansão e progressão, e o termo “pular o tubarão” é uma das maneiras como identificamos facilmente progressões não merecidas nessas mídias. Na franquia Mass Effect, temos um único vilão, depois um vilão-espaçonave, depois uma civilização inteira de vilões-espaçonave, o que mostra esse trabalho com maestria, e o movimento de Witcher de política regional para nacional no curso de três jogos faz um trabalho similar de progressão e ajuste das preocupações do roteiro para alvos maiores e melhores.

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Esses jogos também custam caro para fazer. A indústria dos games paga muita grana, muito disso espremido em horas extras, sem compensação e stress, por essa progressão. Os jogos Witcher, por exemplo, passaram por grandes transições para poder ir de onde tudo começou até onde deveria estar no final. Para chegar até a escala nacional, o mundo de The Witcher 3 tinha que se tornar maior, mais aberto, mais complexo e com navegação fácil. Para poder ir a todo lugar e responder a qualquer coisa (que é o que as grandes ameaças da narrativa exigem), o design do jogo tinha que mudar significativamente. Depois de tudo, as ameaças daquele jogo se tornam tão importantes que Geralt viaja para vários mundos. É uma conquista de design e criação de videogames.

Diante da demanda industrial para a próxima coisa nova e maior, o que a indústria acha que é preciso para excitar o consumidor, há uma progressão de cada tipo. Mais habilidades, mais subclasses, mais maneiras de se envolver com o jogo. Mais habilidades econômicas internas e externas, seja em itens de troca no jogo ou loot boxes. Mais oportunidades de se perder nesse mundo, nessa narrativa e nesses personagens. Mais chances de acreditar que essa nova coisa que você vai fazer, seja o que for, é realmente a melhor coisa que o jogo tem a oferecer.

Isso é, pelo menos em parte, um aspecto da natureza de “ou vai ou racha” da indústria de videogames. Criar mundos maiores com narrativas mais extensas gera oportunidades de contratar mais funcionários, mas quando isso não mobiliza mais os consumidores como fazia no passado (ou quando linhas de investimento econômico simplesmente precisam ser abandonadas), uma empresa pode acabar dispensando um quarto de seus empregados. Em outros casos, pode simplesmente significar que a pressão para essa progressão, de complexidade sistêmica a controle da narrativa, pode soterrar a capacidade de um estúdio de se conduzir de uma maneira que mantenha a fé de sua editora.

A estranheza do corpo de cera de vela do gigante Ghaul, e sua explosão subsequente, é um sintoma tanto das práticas padrões de roteiro quanto dos desejos da indústria de videogames. Você não pode simplesmente ir para um final. Neste mundo, temos que acelerar para o final, e às vezes isso rende experiências envolventes. Outras vezes, isso dá em desastre. E às vezes, como no caso de Destiny 2, isso rende um momento meio bizarro onde um monstro de 90 metros de altura explode gritando.

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