O retorno de Craig Wright, o cara que não consegue provar que criou o Bitcoin

O funcionamento do Bitcoin, a criptomoeda com uma capitalização de mercado que chega aos bilhões de dólares, ainda segue, em larga medida, as ideias de Satoshi Nakamoto, pseudônimo de seu inventor. Satoshi mantém-se no anonimato desde 2008, ano em que ele descreveu o sistema pela primeira vez. Isso explica a comoção quando, em maio do ano passado, Craig Wright, um empresário australiano, organizou uma série de coletivas de imprensa para provar que ele seria a identidade secreta de Satoshi.

Caso Wright conseguisse provar essa afirmação extraordinária, ele se tornaria, da noite para o dia, o homem mais influente da indústria da tecnologia. Mas ele não conseguiu.

Wright ganhou notoriedade em 2015 após uma denúncia anônima ter levado investigações paralelas da Wired e do Gizmodo a apontá-lo como o homem por trás de Satoshi. Na época, o Motherboard explicou por que as provas eram insuficientes. Ele não fez — ou foi capaz de fazer — a única coisa que todos concordaram poder provar sua afirmação, além de algo que o verdadeiro Satoshi seria certamente capaz de fazer: assinar criptograficamente o primeiro bloco de dados do Bitcoin, criado por Satoshi.

Por fim, Wright passou a ser visto pela comunidade Bitcoin como uma fraude e um impostor. Apenas dias após seu primeiro comunicado, Wright desistiu de sua missão com um post em seu blog no qual ele afirmava que certas questões pessoais o impediam de se dedicar à vida pública.

No entanto, em abril deste ano, Wright voltou ao mundo do Bitcoin — e agora com sede de vingança. Atualmente, ele é o pesquisador-chefe da nChain, empresa que já registrou várias patentes relacionadas ao Bitcoin. Em seu Twitter, ele fala abertamente do seu desprezo pelos seus supostos inimigos no mundo do Bitcoin. E, para completar, ele dá palestras em eventos da indústria de jogos de azar digitais usando óculos escuros.

A única coisa que Craig Wright não fez desde seu retorno foi dizer se ele é ou não Satoshi. Quando entrei em contato com Wright, ele se fez de desentendido, respondendo minhas perguntas com emojis sorridentes.

Para muitos, essa atitude de calculado desinteresse (ou, em termos menos gentis, embromação) significa que Wright ainda é persona non grata na comunidade Bitcoin.

"É isso que farsantes e impostores fazem — eles querem deixar a questão em aberto, querem fazer com que as pessoas pensem que eles são isso ou aquilo para tirar proveito disso", disse-me Jimmy Song, um desenvolvedor de Bitcoin e comentarista proeminente na comunidade, pelo telefone. "Tudo sobre esse cara me faz acreditar que ele é uma fraude".

A origem da nChain, empresa de pesquisa sobre Bitcoin onde Wright atualmente trabalha, está relacionada à afirmação de que ele seria Satoshi Nakamoto.

Segundo a London Review of Books, a ideia, nascida em maio do ano passado, era criar uma empresa baseada nas obras publicadas anteriormente por Wright, e em seguida vendê-la para algum ricaço como uma empresa de Bitcoin chefiada pelo Satoshi em pessoa. Essa seria "a parte mais importante do plano de venda", como disse um dos sócios de Wright que ajudou a fechar a venda da nChain em entrevista para a LRB.

Jon Matonis, uma das primeira pessoas a defender Wright e um dos porta-vozes da nChain, discorda. Matonis me disse durante nossa entrevista que essa era apenas a opinião de um dos investidores na época, e que ela não estaria de acordo com as intenções de Wright.

De qualquer forma, é óbvio que estar supostamente associado ao criador do Bitcoin tem suas vantagens.

Após Wright ter falhado em convencer seus críticos de que ele inventou o Bitcoin, a nChain — nomeada originalmente como nCrypt — foi acrescentada a um grupo de 20 subsidiárias e vendida para um fundo de investimento maltês em abril de 2017 sob o nome de nChain Holdings. Hoje, a empresa divide-se basicamente entre a nChain Limited, a filial de pesquisa da empresa localizada em Londres, e a nTrust, uma empresa de pagamentos digitais localizada em Vancouver, no Canadá.

Segundo Matonis, o plano é que a nChain coloque sua pesquisa à venda através da nTrust. O primeiro produto da lista é um kit de desenvolvimento de apps de Bitcoin que, explica Matonis, facilitaria a criação de contratos inteligentes baseados no script Ethereum dentro do blockchain do Bitcoin.

Apesar de ser o pesquisador-chefe da empresa, Wright não trabalha na sede de Londres, diz Matonis. Na verdade, ele divide seu tempo entre sua casa no Reino Unido e seu trabalho como palestrante. Quanto à contribuição de Wright para a pesquisa da nChain, Matonis diz que "ele irá trabalhar com o diretor de pesquisas, então teremos diferentes visões quanto à priorização de certas propriedades intelectuais".

Matonis acrescentou que o fato de Wright não estar muito envolvido com a pesquisa da nChain é uma coisa boa.

"Isso é bom para a nChain porque assim a equipe de pesquisa não fica subordinada a apenas uma pessoa", disse Matonis. "Assim como a empresa holding da Disney não depende o Walt Disney ou da Martha Stewart, não podemos depender de uma só pessoa".

Mas será que Matonis acredita que Wright é Satoshi? "Eu acredito", disse ele. Mesmo assim, ele não hesitou em distanciar sua crença pessoal da opinião da empresa.

A nChain não tem uma posição oficial sobre a questão, disse Matonis. "E é provável que eles nunca tenham, porque eles não podem reproduzir as provas que ele apresentou".

Ele continuou: "Craig está numa corda-bamba, e ele sabe disso".

No Twitter, a escrita floreada de Wright ganha tons professorais. Seu nome de usuário é " ProfFaustus", uma referência à peça na qual um homem vende sua alma para o Diabo e cai em desgraça por causa de seu orgulho. Ele já ganhou seus 280 caracteres e usa cada um deles com gosto, seja dando sua opinião sobre o Bitcoin ou sobre teoria política.

A maior preocupação de Wright é, no entanto, dar sua opinião e tentar exercer certa influência sobre a comunidade Bitcoin, em especial no debate sobre como expandir o sistema Bitcoin e aumentar seu tráfego.

Um grupo de usuários se desvencilhou recentemente do Bitcoin para criar sua própria critptomoeda, a Bitcoin Cash, que possui "blocos" de dados de transação maiores. Em resposta à cisão, o Bitcoin decidiu manter seus blocos do mesmo tamanho. Wright está abertamente do lado do Bitcoin Cash, defendendo a nova moeda ardentemente no seu Twitter e em eventos.

Seu ativismo lhe rendeu amigos famosos entre os defensores do Bitcoin Cash, entre eles Roger Ver.

"Qualquer um que se oponha ao Bitcoin Cash se opõe à visão original do Bitcoin"

Ver é um investidor proeminente que já foi conhecido como "Jesus do Bitcoin" devido à paixão que ele dedicava à defesa da criptomoeda. Atualmente, no entanto, seu apoio público ao Bitcoin Cash rendeu-lhe o status de persona non grata em alguns círculos. Ele também já apareceu em público com Wright, com quem ele compartilha uma tendência ao evangelhismo.

"Independente se ele for ou não Satoshi, as coisas que Craig Wright defende são exatamente o que me fizeram apoiar o Bitcoin em primeiro lugar", disse Ver por email. "Elas também são as coisas que garantiram o sucesso do Bitcoin".

Mas será que Ver acredita que Wright e sua reputação manchada podem prejudicar o Bitcoin Cash?

"Acredito que o envolvimento dele com a nChain vem sendo extremamente proveitoso", escreveu Ver. "A nChain é uma organização importante com muitos funcionários inteligentes". Além disso, acrescentou ele, "qualquer um que se oponha ao Bitcoin Cash se opõe à visão original do Bitcoin".

É possível perceber a retórica "nós contra eles" dos dois lados do debate entre o Bitcoin e o Bitcoin Cash. Com bilhões de dólares em jogo, é fácil entender porque os ânimos estão tão acirrados. Tendo isso em vista, é difícil não concluir que as pessoas de ambos os lados estão abraçando todo e qualquer apoio público, mesmo que ele venha da parte de Wright.

"Usar o apoio dele me deixa um pouco confuso, porque, ao meu ver, isso fere a credibilidade deles", disse Song, um desenvolvedor de Bitcoin, por telefone. "Talvez eles queiram acreditar que ele é o Satoshi porque aí eles estariam certos — mas eu não tenho certeza".

É difícil falar com Craig Wright. Ele não gosta de dar entrevistas. Eu também não gostaria se tivesse passado pelo que ele passou no ano passado — ser questionado e ridicularizado publicamente.

De qualquer forma, quando conversei com Wright pelo canal ofical do Bitcoin Slack, ele me pareceu um pouco mais falante. Mas isso não quer dizer que ele estava aberto ao diálogo.

"Então você quer que eu me incrimine"

Conversar com Craig Wright (pela internet, pelo menos) é um experiência extremamente frustrante. Ele escreve em aforismos vagos, responde perguntas com outras perguntas pontuadas com emojis sorridentes e afirma coisas de forma clara só para em seguida voltar atrás.

Se as pessoas dizem que você está mentindo ao dizer que é o Satoshi Nakamoto, mas você insiste que não está, isso quer dizer que você ainda afirma que é o Satoshi?

Emoji sorridente. "Então você quer que eu me incrimine".

De forma alguma. Só estou fazendo uma pergunta que muitos já fizeram.

" Oi, eu sou o Satoshi, e eu criei um sistema que me faria levar um tiro e sumir da face da terra, nessa ordem… Por mim eles podem continuar se perguntando. Gosto da minha posição atual".

Você está falando que corre o risco de ser morto?

"Se você controlasse 5 bilhões de dólares e em alguns anos esse número subisse para 50 a 100 bilhões de dólares que podem ser movimentados facilmente… Faça as contas".

Mas isso já era uma preocupação quando você alegou publicamente ser o Satoshi?

"Sem comentários".

Durante nossa conversa, Wright deixou claro que não importa se ele é ou não Satoshi, visto que a nChain não está procurando novos investidores (seja como for, a empresa um dia terá um produto que ela irá querer vender). Para ele, a questão é irrelevante. O importante, disse ele, é a nova tecnologia que está sendo desenvolvida.

Mas a questão não é irrelevante: o porta-voz da empresa de Wright me disse, em uma entrevista formal, que ele acredita que Wright é Satoshi, mesmo que a empresa tenha uma posição diferente quanto ao assunto. Ela não é irrelavante porque grande parte da comunidade Bitcoin vê Wright e a nChain com profunda desconfiança justamente porque a questão segue sem resposta. Perguntei a Wright se ele tem algum interesse em esclarecer essa questão, seja por motivos legais ou mercadológicos. Sua resposta?

"Não".

Wright se pouparia de muitos ataques caso ele oferecesse alguma resposta.

Mas ele se recusa a responder. E vai continuar se recusando.

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