Adriana Costa Santos
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People of the Year

A activista portuguesa Adriana Costa Santos ajuda migrantes a sobreviver na Bélgica

Em 2018, a estudante portuguesa trabalhou diariamente com centenas de requerentes de asilo em Bruxelas.
Krump
ilustração por Krump
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez

A série PESSOAS DO ANO foi originalmente publicada na VICE Bélgica.

Num restaurante/café mexicano na Avenue Louise, Adriana Costa Santos, de 24 anos, parece uma típica estudante: casaco grosso de Inverno, cabelos presos num rabo de cavalo e uma mochila bem abastecida. A típica estudante que, às vezes, pensa em melhorar o Mundo, mas depois se fica pela rotina do dia: Instagram, datas de entrega de trabalhos e encontrar uma festa para o fim-de-semana. Mas, se achas que ela é assim, então estás completamente enganado.

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Em 2015, Adriana formou-se em Relações Internacionais em Lisboa e planeou um voluntariado no estrangeiro para um ano sabático. Através de um amigo, acabou a fazê-lo com os refugiados no Parque Maximilien, em Bruxelas, Bélgica. Nestes três anos desde então, tornou-se todas as noites numa espécie de super-herói, em modo Clark Kent, à procura de sítio para pôr cerca de 600 refugiados a dormir em condições.


Vê: "Os jovens refugiados sírios que estão a crescer num limbo"


Enquanto isso, Adriana continuou os seus estudos em Bruxelas, que coordena com o trabalho com os refugiados. Num bocadinho do seu tempo livre, tomei um café com ela e conversámos sobre detectives franceses, acções policiais e as políticas de Theo Francken.

**VICE: Olá, Adriana, esperavas passar 2018 na Bélgica?
**Adriana: Na verdade, só queria aqui ficar um mês, porque tinha planos para um projecto na Colômbia. Esse projecto claramente não aconteceu, ahah. Mas, decidi rapidamente ficar na Bélgica, porque ainda posso fazer muito por cá. Em 2016 iniciei um Mestrado em Antropologia na ULB e comecei a trabalhar na Plataforma Cívica de Apoio aos Refugiados para ganhar algum dinheiro.

**O que estás a fazer actualmente para a Plataforma?
**Sou responsável por receber os requerentes de asilo. Isso acontece tanto em Porte d'Ulysse, o nosso abrigo em Haren, ou através de voluntários que querem cuidar das pessoas. Entro em contacto com os voluntários através do grupo do Facebook e, depois, coordeno tudo no site. Isto é realmente necessário, porque a polícia muitas vezes surpreende os requerentes de asilo com acções de detenção. Geralmente de forma muito violenta, a bater e a a pontapear. Imediatamente depois das detenções, há equipas prontas para limpar as tendas abandonadas, sacos-cama, sapatos e outros pequenos itens dos requerentes de asilo.

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**Ainda estás a estudar. Como é que é um dia normal para ti?
**Ocupado. Em breve vou ter que dedicar mais tempo a estudar e escrever a minha tese. Tenho aulas quase todos os dias às 10. Depois das aulas, vou ao escritório da Plataforma Cívica ou ao Centro Humanitário, em Bruxelas Norte, onde ajudamos os requerentes de asilo durante o dia. À noite, vou ao parque ou a Porte d'Ulysse para coordenar os lugares para dormir.

**Qual foi o destaque de 2018 para a Plataforma?
**A certa altura, houve pessoas na polícia que revelaram informações sobre as acções de detenção. Isso foi notável por si só, porque significa que, mesmo dentro da polícia, nem todos concordavam com a maneira como se tratavam os requerentes de asilo. Um exemplo: recebemos informação sobre uma acção no dia 21 de Janeiro às seis da tarde, no Parque Maximilian. Lançámos um evento no Facebook para que quem quisesse mostrar a sua solidariedade pudesse ir ao local fazer uma cadeia humana contra a polícia. O evento não ficou online nem sequer 48 horas, mas quando cheguei, havia 3.500 pessoas. Uma loucura. Espera, posso mostrar-te uma fotografia:

Burgerplatform steun vluchtelingen asiel migratie Brussel

Adriana (à esquerda).

**Como é que te sentiste sobre a polémica em torno do Pacto das Migrações da ONU?
**Não me surpreendeu que o N-VA fosse contra o Pacto de Migração, porque eles sempre deixaram claro que são anti-imigração. Basta olhar para a campanha racista contra o pacto de migração que lançaram. Ou apenas para Theo Francken que usou o termo "limpeza" no ano passado quando falou sobre os refugiados. Falam sobre eles como se não fossem pessoas.

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**Percebes as preocupações dos belgas em geral sobre a imigração?
**Sim, percebo que as pessoas têm medo do desconhecido. O N-VA pinta os refugiados todos os dias como terroristas, ilegais e criminosos. Brincam com o medo: "Vais perder o teu emprego se permitirmos os imigrantes". É claro que não queres perder o emprego. Mas, se conheceres as pessoas, como indivíduos, esse "terrorista ilegal" é de repente Adam, que põe três colheres de açúcar no café e brinca com os filhos.

**Quem foi o teu herói no ano passado?
**Assim que me venha espontaneamente à cabeça, Younes, um refugiado da Líbia que foi preso e torturado pelas suas ideias políticas. Estava a caminho de Inglaterra quando o conheci no Maximilian Park. Quando finalmente chegou a Inglaterra, disse que se sentia perdido. Em Bruxelas, recebemo-lo de braços abertos, o que não era o caso na Inglaterra. Há tantos como Younes, que finalmente chegam ao seu destino depois de uma terrível jornada, mas não sabem o que fazer. Achei admirável que ousasse admitir isso.

**O teu namorado Mehdi também trabalha na Plataforma Cívica. Como é que equilibras o relacionamento?
**Nós os dois trabalhamos muito, portanto às vezes é difícil separar a vida privada do trabalho. Também vivemos juntos e escolhemos não receber pessoas todos os dias. Às vezes é difícil resistir, mas já trabalhamos dias inteiros e é bom poder passar pelo menos quatro ou cinco horas juntos à noite.

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Adriana Costa Santos en Medhi Kassou

Adriana e o seu namorado belga, Medhi.

**O que fazem?
**Gostamos de ler. É a nossa maneira favorita de fugir do stress diário. Agora li A Viagem do Elefante, de Saramago. Mehdi também leu um livro dele, depois de eu o apresentar à literatura portuguesa. Mas, os meus livros favoritos são os romances policiais de Fred Vargas, porque ponho-me no lugar do detective e tento adivinhar quem cometeu o crime.

O que alcançaste a nível pessoal este ano?

Agora falo mais alto do que antes. Isso é algo com que sempre tive problemas - bem, ainda tenho problemas com isso, mas agora estou melhor. Este ano tive câmaras viradas para mim e sempre tive medo de dizer algo estúpido. Escrevo muito melhor o que penso do que digo o que penso. Mas, agora, tenho a sensação de que a minha voz deve ser ouvida, porque falo de algo muito maior do que eu.

**Consideras-te uma pessoa bem sucedida?
**Acho que sim. Sempre quis fazer a diferença e sinto que sim. A minha família é muito orientada politicamente e falamos muitas vezes sobre a nossa liberdade e os nossos direitos. Mas, muitos dos meus amigos intelectuais dizem que não podemos mudar a sociedade e que é inútil lutar contra o status quo. Não é nisso que eu e os meus pais acreditamos. Tento ser uma parte da sociedade para mudá-la desde dentro. Mostrámos ao governo que existe, de facto, uma solução prática para a “crise migratória”, que vemos como uma crise de recepção das pessoas.

**Planeaste alguma coisa para os requerentes de asilo para o Natal e Ano Novo?
**Sim. O normal é os voluntários acolherem-nos só uma noite, mas no Natal asseguramos que eles sejam atendidos de 23 de Dezembro a 26 de Dezembro e com o Ano Novo de 30 de Dezembro a 2 de Janeiro. Na Porte d'Ulysse organizamos actividades e uma festa para as famílias.

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**O que vais fazer no Natal?
**Mehdi e eu tirámos quatro dias de folga para visitar a minha família em Portugal. O Natal é muito importante na nossa família, embora todos sejam ateus. A minha família mora em Portugal, mas o Natal é o momento em que todos nos reunimos em casa da minha avó. Cantamos juntos e trocamos presentes. Já estou ansiosa.

**E o que esperas para 2019?
**Que o governo mude. Mesmo achando assustador, estou curiosa com as eleições. E espero que possa acabar o meu mestrado no próximo ano, que no ano passado com três horas de sono por noite realmente não funcionou. Também pretendo ficar na Bélgica, porque conheci muitas pessoas fortes aqui que enriqueceram a minha vida. Mas, vou sentir falta do clima quente de Portugal.


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