Christine Sun Kim, a artista surda que está a reinventar o som

FYI.

This story is over 5 years old.

Entretenimento

Christine Sun Kim, a artista surda que está a reinventar o som

Através de performances, instalações, ilustrações e vídeos, a Senoir Fellow das conferências TED - Christine Sun Kim - desafia a "cultura sonora" e os limites da definição de som.

Fotografia de Sirio Magnabosco. Todas as fotografias cedidas pela artista.

Para a artista Christine Sun Kim, o som é como um "fantasma". Esta artista, uma Senior Fellow nas conhecidas conferências TED com múltiplos mestrados em belas artes, uma residência artística no Whitney Museum e exposições no MoMA, é completamente surda desde que nasceu. O silêncio profundo em que vive levou-a a explorar o som através do seu trabalho com variadas obras de performance, instalação, desenho e vídeo.

Publicidade

Inicialmente, Kim esforçou-se para traduzir o som directamente em termos visuais. Experimentou com vibrações, colocando pincéis e penas de tinta em placas de madeira por cima de subwoofers e altifalantes que pulsavam com o ruído ambiente. O seu processo resultou em lindas pinturas minimalistas, sons transformados em objectos de arte. Mas este projecto dava a sensação de traduzir um texto usando apenas metade do alfabeto. "Sons - vibrações - de baixa frequência compõem somente uma fracção muito pequena do mundo sonoro," explica ela. Quando a ideia seria captar a riqueza do mosaico sonoro experimentado por Kim, esta abordagem parece ter ficado aquém das expectativas.

Reconhecendo que a obtenção de manchas de tinta através das vibrações era somente uma das formas de traduzir o som visível, Kim tentou uma táctica diferente. A artista produziu as suas próprias semióticas sonoras reunindo um emaranhado de linguagens e sistemas sobrepostos, incluindo notação musical, linguagem corporal, e Linguagem Gestual Americana (ASL - American Sign Language), que ela descreve como parecido ao som dentro da sua própria espacialidade intrínseca.

Este sistema de informação faz com que a rígida definição de som como vibrações que encontram um ouvido que ouve, pareça antiquada. E consegue isto capturando vida num mundo em que o som é, principalmente, canalizado através da interacção social do que através dos ouvidos. E, por isso, experimentar o seu trabalho é semelhante ao momento em que percebemos que ouvir a mesma canção num quarto escuro é muito diferente de a ouvir num local iluminado.

Publicidade

Fotografia por Artisphere.

Kim passou grande parte da sua vida espelhando a forma de como os outros se relacionavam com o som, na tentativa de encontrar regras de etiqueta sonoras culturalmente dominantes. Ao crescer numa família coreana pouco efusiva (uma faceta - diz ela - de ambas culturas tanto a coreana como a dos não surdos), Kim aprendeu a estar quieta - "a moderar-se" - em resposta aos olhares alheios. "No começo eu pensava que experimentava o som principalmente através das vibrações, mas percebi que era muito mais do que isso", explica. "Recebo mais informações pelo modo como as pessoas reagem e se comportam em redor dos diferentes sons, e portanto, por formalismo, tento reflectir-me nos mesmos". Durante a sua práctica artística, Kim esforça-se por reivindicar o som, por esculpir um espaço onde o som não gire em torno destas regras de etiqueta emprestadas, mas sim em torno da forma única como ela o vive e experimenta.

O compositor vanguardista John Cage declarou o som como o mais público de todos os sentidos, e não tem sido uma experiência privada para a Kim. Antes pelo contrário, ela descreve a comunidade surda como uma "cultura colectiva." Construída através da partilha de experiências de som e linguagem, a comunidade surda tem as suas próprias regras de etiqueta: por exemplo, explica a artista, se alguém se une a uma mesa, é costume as pessoas chegarem-se para trás para deixar o recém chegado entrar sem olharem para cima, assim podem continuar a ver quem está a comunicar gestualmente. Independentemente da sua audiência, está na natureza de Kim ter uma preferência comunal, sendo a sua arte frequentemente colaborativa e participativa. "Eu colaboro assiduamente com outras pessoas para dar visibilidade e relevância à minha voz," diz ela. "As pessoas são quase uma extensão de mim mesma, especialmente os intérpretes de linguagem gestual".

Publicidade

A colaboração foi um aspecto integrante na última performance sonora de Kim - Fingertap Quartet -. Ao montar a peça, a artista apresentou uma lista de 12 sons específicos a um amigo músico, Dev Hynes dos Blood Orange (a versão mais recente tinha samples de voz do Jamie Stewart dos Xiu Xiu). Kim observa: "Eu confiei nele [Dev] o suficiente para fazer samples de voz baseados nas minhas instruções e não pedi a ninguém para os verificar uma segunda vez. Conceptualmente, eu arrendei-lhe a voz". Usando os samples de voz, um gravador de áudio, um laptop e transdutores, Kim criou quatro arquivos de som. Com o texto em projecção, ela comunicava ao público o conceito subjacente a cada arquivo de som: "Like / Good", um som que gostas e achas que é bom; o som inverso: "No Like / No Good"; "Like / No Good", um som que gostas, mas suspeitas que não pode ser bom; e um som que não gostas, mas suspeitas que pode ser bom, "No Like / Good".

Fotografia por Conrado Johns.

As performances participativas de Kim "tem muito a ver com o valor social da voz de cada pessoa", explica ela. Em Subjective Loudness, 200 moradores de Tóquio ajudaram Kim a converter uma lista de ruídos de 85 decibéis numa partitura, que se tornou, efectivamente, na sua voz. Para a instalação 4x4, Kim convidou quatro pessoas cujas vozes ela respeita - um empreendedor, um artista, um designer e um músico - para cantar as suas letras. Depois Kim distorceu as vozes ao reproduzi-las numa frequência inferior à do alcance da audição humana; por uma noite, uma galeria de Estocolmo foi ocupada pela sua inaudível canção composta de baixas frequências que sacudiram as janelas e portas da galeria. Em Face Opera, uma das obras favoritas de Kim (curiosamente, ela tem preferência pelas suas performances), a artista e um grupo amigos - todos com surdez pré-linguística - formaram um coro pouco convencional. Segundo as indicações dadas por Kim, um "maestro mexia as sobrancelhas, a boca, as bochechas e os olhos para transmitir um conceito. Para executar a partitura de Kim - que estava separada em actos como "Eu quero confiar em ti" e "Erva" - os "cantores" ecoavam e respondiam às nuances das expressões faciais do "maestro". Kim estima que 30 a 40 por cento da ASL é produzida manualmente, enquanto o resto é expressado através de movimentos corporais e faciais. Face Opera fazia alusão a quanto da ASL depende da expressão facial e insinuou que a atenção às nuances dessas expressões podem constituir audição.

Publicidade

O trabalho de Kim é conceptualmente forte, mas o seu verdadeiro poder vem da maneira como ele honra e dignifica a sua própria experiência. No regime perceptual que é a cultura auditiva, Kim diz que as normas sonoras dominantes podem ir para o inferno. Elas representam normas limitativas, e não a sua relação real com o som. Como Kim apontou numa entrevista para a TED: "Não é que a sociedade me tenha cedido um espaço livre e seguro para eu fazer o que me apetecesse. Eu tive de aprender a integrar as suas normas".

A arte de Kim não condescende. Ela faz as suas próprias regras, e trata o som seguindo as suas próprias normas. E, no entanto, mesmo que não pretenda ter uma atitude política, e estando mais focada em expressar a sua trajectória pessoal, ao reflectir sobre a sua arte podemos apontar para esse grito de guerra da segunda onda do feminismo: "O pessoal é político".

Fotografia de Sara Linderoth.

A mentalidade que impregna a obra de Kim mostrou-se imponentemente numa recente conferência na TED 2015. Na conferência, Kim experimentou o protótipo de um colete (vest) - um colete no sentido tradicional mas também uma abreviatura útil para Versatile Extra-Sensoryl Transducer - que traduz o som em padrões de vibração. O colete é destinado para surdos como uma alternativa ao implante coclear invasivo. Kim pensa que o colete possa vir a ser muito útil. Com ele, poderia localizar o som no espaço, que a ajudaria a planear e a desenvolver futuras instalações sonoras. Mas, numa entrevista recente com o TED fellow Renée Hlozek, Kim deixou um apontamento pertinente, perguntando: "Por que é que eu deveria receber treino sobre como reconhecer a fala através de padrões de vibração? Assim estou a cair na mesma armadilha comportamental outra vez. O colete está a mediar a comunicação, mas o problema é que só está a mediar numa direcção, fazendo com que as pessoas com audição sejam por mim compreendidas." A arte de Kim representa um pequeno chip nesse bloco normativo.

Podes ver mais do trabalho de Christine Christine Sun Kim aqui.