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Meio Ambiente

Tentei ser completamente sustentável por uma semana

Dizem que "qualquer coisa já ajuda".
A autora revirando lixeiras
A autora revirando lixeiras. Todas as fotos por Bekky Lonsdale 

É hora do almoço e estou fritando batatas numa lata pegando fogo. Meus ossos doem de andar pra todo lugar, meu cabelo está oleoso pacas e estou cheirando como alguém que passou um festival de música comendo miojo dentro de um saco de dormir ao lado da fogueira. Estou com frio porque o aquecimento está desligado há dias e um vento gelado se infiltra pelas janelas da minha casa vitoriana em Londres. Quero andar em carros aquecidos, assistir documentários de crimes reais e ter gordura de hambúrguer escorrendo pelo meu queixo. Estou tão cansada.

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Esse não é o monólogo interno da protagonista forte do novo filme do Will Smith, Eu, Robô: O Reboot. Isso é o que se passa na sua mente depois de uma semana tentando ser totalmente sustentável. Passar sem eletricidade e aquecimento no meio do inverno pode parecer extremo, mas achei que era um passo lógico quando você considera quanto o planeta está fodido. No final de 2018, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC em inglês) alertou que só temos 12 anos para “limitar” uma catástrofe de mudanças climáticas.

É frustrante o quanto dessa conversa sobre limitar as mudanças climática se foca no indivíduo “fazendo sua parte”. Será que fazer compostagem de caroço de maçã e obrigar o barista a usar seu copo retornável vai realmente facilitar uma mudança, quando os supermercados continuam embrulhando todos os vegetais com plástico? Que diferença uma pessoa pode fazer enquanto o governo continua permitindo o fracking (uma prática comum entre companhias de petróleo) e cancelando subsídios de energia limpa, enquanto corta o orçamento para gerenciar nosso lixo e reciclagem?

Ainda assim, enquanto o governo se recusa a fazer qualquer coisa significativa, o ímpeto continua individual. Se esse vai ser o caso para o futuro previsível, temo que vai ser preciso bem mais que lembrar de apagar as luzes. Então, por uma semana, vou tentar ser o mais autossuficiente e sustentável possível, forrageando, plantando sementes, catando comida do lixo e trocando papel higiênico por jornal velho, em nome de “qualquer coisa já ajuda”.

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A autora na Harringay Local Store.

Para começar, preciso de suprimentos. Obviamente, nada de carne ou laticínios – porque a agropecuária usa uma quantidade inacreditável de água, o que significa que só posso comer vegetais. Eu poderia visitar a horta comunitária local, mas nada vai brotar lá até maio. Pensado no futuro, carpi o chão do meu quintal, que ficou pronto para ser adubado com restos de comida compostados – uma parte importante de preparação, já que (boas notícias!) especialistas dizem que temos menos de 60 colheitas até o solo do mundo estar exaurido demais para produzir qualquer coisa.

Para garantir que não vou morrer de fome só pra escrever conteúdo, minha melhor opção é a Harringay Local Store, uma loja que vende produtos da fazenda, cheia de macarrão de lentilha e pais que compram óleo pra barba e ganham o novo disco do Prodigy de Natal. Mesmo não tendo cultivado esses produtos eu mesma, aqui tem alguns pontos positivos: a mercadoria é orgânica e produzida localmente, o que significa o mínimo de químicos e produção de carbono possível.

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Hora de cozinhar. Cortando meus vegetais, deposito todas as sobras na minha nova composteira lá fora, o que é bem fácil. Também comprei outra composteira para as sobras já cozidas.

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A autora cozinhando com fogo.

Meu fogão é a gás, o que algumas pessoas querem proibir em futuras construções residenciais já que vem de combustíveis fósseis e produz emissões de gás de efeito estufa. Com isso em mente, decidi assar meus vegetais direto no fogo, usando uma lata de metal.

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Quebro umas cadeiras que achei na rua para usar como lenha. O método é menos "fumaça de madeira” e mais “provavelmente queimar tinta venenosa para esquentar uns pimentões”, mas não estou reclamando: o prato final ficou com um gosto bom de fumaça, mesmo que as batatas tenham ficado cruas demais.

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A refeição da autora, cozida diretamente no fogo.

O problema, como descubro depois, é que queimar madeira na verdade é menos sustentável que queimar gás; isso libera mais CO2 enquanto produz menos calor. Então: não faça isso! Não tente melhorar as coisas e acabe piorando tudo! Em vez disso, use fogão de indução. Sim, aqueles que vêm nesses apartamentos conceituais são uma bosta, mas também são a opção mais ambiental que temos.

Na manhã seguinte, foco em substituir meus produtos de beleza por coisa que não vão entupir as tripas de um peixe. Em vez de jogar fora um monte de lenços demaquilantes, compro lenços reutilizáveis. Também compro desodorante, spray de cabelo, perfume e xampu não-tóxicos, já que estudos descobriram que esses produtos – além de químicos como pesticidas e tinta de impressora – são responsáveis por metade de todas as emissões em pelo menos 33 cidades industrializadas.

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Autobronzeador caseiro.

Infelizmente pra mim, autobronzeador geralmente é vendido em embalagens plásticas poluídas com químicos, então dou tchau para o meu St Moritz e, segundo uma receita, misturo cacau em pó com uma loção eco-friendly. A mistura resultante tem um cheio ótimo – mais chocolate quente que o cheiro de biscoitos de curry que geralmente exala dos meus braços – e a cor parece um “queimadura sempre vira bronzeado” natural.

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homemade face mask

Máscara caseira de cúrcuma.

Também faço uma máscara caseira de cúrcuma que parece agradavelmente esfoliante, mas tem o lado negativo de imediatamente manchar minha cara de amarelo.

Agora que resolvi meu skincare, analiso o consumo de água. Água da torneira drena energia porque os centros de tratamento municipais usam vários recursos para purificar a água. Conversores de água da chuva que alimentam os canos podem custar mais de £1.876 [uns R$ 9 mil] – um hack para casa só concebível para o tipo de casal ricaço que você vê no Grand Designs.

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Mas posso ingerir água da chuva de outro jeito, com uma dessas garrafinhas de filtro para viagem vendidas para homens que sonham em ser o Bear Grylls, mas que nunca, nem se precisassem mesmo, beberiam xixi. Pego um pouco de água meio marrom de um lago e vejo minha garrafa fazer sua mágica, até o líquido brilhar e ficar com gosto de água Fiji.

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A autora com o especialista em forrageamento Jason Irving.

Quando não sobrar nada para comer a não ser creme de milho enlatado, será útil saber como forragear, então fui para Hampstead Heath no meio da semana para almoçar. Prefiro não morrer comendo um cogumelo venenoso, então me encontro com o forrageador experiente Jason Irving, um homem que vê alimento onde outros veem um lugar pro cachorro mijar. Além de urtigas, amor-de-hortelão e azedas-bravas, encontramos sementes de heracleum, alho-das-vinhas que – quando você quebra embaixo do nariz – tem cheiro de frango à Quieve, e orelha-de-Judas, um fungo que lembra uma orelha cortada.

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foraging hampstead heath

Jason é todo poético sobre a natureza que estamos colhendo. Sobre flores de torjo ele diz: “Alguns dizem 'beijar vai sair de moda quando torjo não florescer', porque ele floresce o ano todo”. Sobre língua de ovelha ele diz: “Os nativos americanos chamam essa planta de 'pegadas do homem branco', porque elas florescem em solo pisoteado”.

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Caminhando pelo parque, Jason reflete sobre os desperdícios da sociedade, e como mesmo as pessoas que tentam viver de maneira mais sustentável ainda podem cometer erros. “Vi um cara colocar Chenopodium album na composteira – [uma planta] com gosto parecido com espinafre. Ele provavelmente ia comprar sementes de espinafre, sem saber que já tinha a alternativa nas mãos.”

Penso em quando eu estava no meu quintal capinando raízes delicadas, plantas que eu poderia ter secado e feito chá, ou misturado com pinoli para fazer molho pesto. Não menciono isso.

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Forrageamento pode ser um jeito de conseguir alimentos livres de combustível fóssil ou mão de obra mal paga, mas não é algo encorajado, com leis do Reino Unido proibindo a remoção de plantas. Em 2010, a Corporation of London – proprietária das florestas Heath e Epping – proibiu a coleta de cogumelos argumentando que isso ameaça a ecologia, mesmo com pesquisas sugerindo que é tão prejudicial pisar em cogumelos quanto colhê-los.

“As pessoas são contra forrageamento porque pensam 'Deixe a natureza em paz'”, explica Jason. “Mas se você não consegue comida de forrageamento, você ainda precisa conseguir de algum lugar, o que vai ter um impacto ambiental. Se você não come verduras de Heath, você vai precisar de feijões do Quênia ou aspargos do Peru.”

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girl preparing food

No dia seguinte, faço sopa de urtiga com as folhas e cogumelos que coletamos. É OK, mas preciso melhorar o sabor com ingredientes que comprei na loja.

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Forrageamento pode ajudar a usar coisas que de outro modo apodreceriam na natureza, mas é difícil ver como isso pode contribuir de um jeito significativo e sustentável. Considerando o tempo que isso leva, você pode não conseguir forragear regularmente; ninguém vai chegar em casa às 19h30 de um trabalho com análise de dados e ir procurar amoras nos arbustos perto de casa. Além disso, se muitas pessoas fizerem forrageamento, elas vão acabar esgotando esses alimentos da natureza, certo?

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É o último dia da minha semana sustentável, hora de mergulhar nas lixeiras.

Passo a noite revirando lixeiras comerciais enquanto pessoas me olham estranho. Depois de encontrar só potes vazios de cream cheese, caixas de pizza engorduradas e embalagens de manteiga, o estigma de procurar comida no lixo me alcança. Minha última esperança é o lixo da M&S, que segundo grupos de dumpster diving no Facebook, são a terra prometida da comida desperdiçada: cheio de homus de pimentão e bife borgonhesa. Mas chegando lá, as lixeiras estão atrás de uma cerca elétrica com cadeado.

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Pegar comida do lixo (o tal dumpster diving) sempre foi ilegal, mas recentemente os supermercados aumentaram sua segurança, às vezes até jogando tinta azul no lixo para torná-lo não-comestível. Um casal foi preso por tirar asas de frango, pão e queijo de lixeiras da Tesco depois que perderam seus benefícios, e foram humilhados publicamente.

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Depois de uma noite sem sucesso, estou com desejo de um shawarma de cordeiro bem gorduroso e minha pele ficando rosada embaixo do chuveiro quente. Antes de perder o controle, vou pra casa e descongelo algumas salsichas vegetarianas. É considerado autossuficiência roubar comida da sua colega de apartamento?

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Alguns aspectos da minha jornada vão continuar comigo. Vou curtir me sentir a Deliciously Ella com meu novo xampu de coco. Mal posso esperar para fazer sugara börek turco com urtiga no lugar do espinafre. Mas até eu ter mais tempo ou dinheiro, as outras práticas sustentáveis vão para a lixeira metafórica e literal – o lugar reservado para meu esfoliante com microesferas.

Os métodos mais acessíveis de sustentabilidade continuam ligados ao consumo: que realmente deveríamos estar consumindo muito menos e reutilizando muito mais. Além disso, os benefícios dos produtos que comprei – apesar de ajudarem a reduzir o lixo e a poluição – não parecem fazer uma grande diferença considerando as 1,9 milhão de toneladas de alimentos desperdiçados pela indústria alimentícia do Reino Unido todo ano, que poderiam ser redirecionadas para evitar importações de outros países; ou se o governo realmente seguisse o conselho de especialistas e implementasse políticas verdes; ou se a indústria fosse obrigada a reduzir radicalmente suas emissões.

Mais uma vez, a questão se resume a responsabilidade individual versus responsabilidade institucional. O futuro da sustentabilidade não está em lojas glamourosas que reduzem seu lixo, no feed dos influencers de Instagram vendendo leite de amêndoa, ou na proibição performática dos canudos de plástico. O futuro está mais próximo de reenquadrar totalmente como vivemos, e como companhias são responsabilizadas por afetar as nossas vidas. Ah, e em não fazer uma fogueira para cozinhar a janta.

@annielord8 / @bekkylonsdalephoto

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