​Por que tantas pessoas têm medo de buracos aglomerados?
Dissecamos, para seu terror e curiosidade, as origens da tripofobia – aquele desconforto irracional ao olhar conjuntos de buraquinhos. Crédito: Flickr/Daisuke Tashiro

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​Por que tantas pessoas têm medo de buracos aglomerados?

Dissecamos, para seu terror e curiosidade, as origens da tripofobia – aquele desconforto irracional ao olhar conjuntos de buraquinhos.

Ainda lembro da origem da minha tripofobia. Um dia, na segunda série, eu tropecei em um ninho de vespas recheado com pústulas de larvas leitosas. Não costumo ter medo de insetos, mas a imagem daquele enxame purulento, recheado de bichos gosmentos me acompanhará por toda a eternidade.

Com o passar do tempo, minha tripofobia – um medo irracional de aglomerados de buraquinhos – só piorou. Um programa de televisão sobre a natureza mostrando o sapo-pipa, um pequenino anfíbio que carrega sua prole nas costas, já é capaz de desencadear meu medo. Sementes de lótus, desovas, aglomerado de cogumelos e o abominável "peito de lótus" (possivelmente NSFW) photoshopado, para mim, é um pior que o outro.

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A tripofobia não é uma fobia diagnosticada clinicamente. Você não vai encontrar nenhuma menção no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), mas sua penetração, especialmente na internet, é inegável. (Entrei em contato com a American Psychologial Association, responsável pela elaboração do DSM, com respeito ao acréscimo da trypophobia no manual, mas não recebi nenhuma resposta até a publicação desta matéria.)

Ainda assim, para um fenômeno tão notoriamente difundido, compreendemos muito pouco sobre os mecanismos que o acionam. Alguns críticos até especulam se ele de fato existe. Isso levanta a questão: se as origens da tripofobia são tão nebulosas assim, por que ela ainda se manifesta nas pessoas?

Diferentemente de outras fobias notáveis, a tripofobia é relativamente nova, pelo menos no léxico da língua inglesa.

De acordo com o Snopes, uma referência para esclarecimento de boatos e lendas urbanas, a imagem perturbadora de um seio materno contendo buracos de semente de lótus foi enviada por e-mail lá por 2003. Alega-se que a fotografia foi distribuída juntamente da "história de uma antropóloga cujo seio fora infectado por larvas durante uma expedição à América do Sul", de acordo com o KnowYourMeme. Entretanto, não fui capaz de verificar essa informação de forma independente.

É quase certo que a palavra "tripofobia" apareceu pela primeira vez em uma página do Geocities, agora arquivada, chamada de "Uma Fobia de Buracos", em 5 de maio de 2005. Seu webmaster parece ter entrado em contato com o Dicionário Oxford sobre o neologismo e até mesmo ter tentado submetê-la para a possibilidade de uma nova palavra. Até ser fechada, a página funcionava como fórum de apoio a todos os "esquisitões que têm medo irracional de BURACOS".

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Muitos anos mais tarde, a tripofobia reapareceu diversas vezes no Urban Dictionary, e em muitos vídeos do YouTube. Uma página da Wikipédia sobre a fobia foi proposta, em 2 de outubro de 2012, e, de acordo com a página de discussão do assunto, ela tem sido atormentada por pedidos de exclusão, discussões sobre censura de imagens e debates sobre o status da tripofobia como uma condição reconhecida sob o ponto de vista médico. Hoje, há vários fóruns na internet e sites de autoajuda dedicados a essa fobia.

O único estudo compreensivo sobre a tripofobia foi publicado em 2013 na revista Psychological Science. Com o título apropriado de "Fear of Holes" ["Medo de Buracos"], a pesquisa identificou um ativador visual específico que faz com que imagens tripofóbicas sejam perturbadoras para muitos de nós.

Os psicólogos Arnold Wilkins e Geoff Cole do Centro de Ciências do Cérebro, da Universidade de Essex, na Inglaterra, discutem que hole clusters e suas permutações compartilham uma característica espectral importante com alguns dos animais mais letais. Nosso medo, eles propõem, não é tanto uma reação consciente de uma imagem grotesca, mas uma defesa evoluída contra criaturas que podem nos pôr em risco.

De modo objetivo, não é que escorpiões e cobras venenosas tenham coisas em comum com semente de lótus ou o queijo suíço. Entretanto, em um nível espectral, o estudo observa que todas essas coisas têm energia de alto contraste em frequências espaciais de médio alcance. O contraste elevado e nível de detalhes contidos dentro de imagens tripofóbicas deixam-nas psicologicamente estressantes de serem processadas.

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Em resumo, os humanos são especialmente sensíveis a imagens tripofóbica porque sua composição é desconfortável de ser olhada.

"É possível analisar imagens em termos de seus componentes de Fourier - descobrir quais frequências espaciais compõem a imagem e qual a amplitude de cada frequência", Wilkins me contou. "Imagens desconfortáveis tendem a apresentar funções diferentes com muita energia em frequências de alcance médio, onde o sistema visual é mais sensível."

Dando um passo além na teoria, no início da história evolutiva de nossa espécie, os seres humanos se beneficiaram de uma resposta rápida aos animais que exibiam esses padrões óticos. Nosso processamento instantâneo dessas ameaças – tais como cobras ou mesmo lesões cutâneas contagiosas – teriam sido selecionadas em razão de seu alto valor de sobrevivência. A tripofobia calhou de ser uma coincidência.

Entretanto, mesmo Wilkins reconhece que se embrenhar na psicologia evolutiva é um caminho arriscado, o qual ele costuma evitar. "É difícil, se não impossível, testar as diversas teorias evolutivas, por mais sedutoras que elas sejam", acrescentou.

As controversas teorias da psicologia evolutiva foram aplicadas para exlicar fobias comuns, como a ofidiofobia: o medo de cobras. Semelhante ao estudo de Wilkins sobre a tripofobia, um artigo publicado na Association for Psychologial Science tentou compreender se os seres humanos processam um mecanismo de detecção de cobras, que poderia predispor certos indivíduos a temê-las. Os autores relataram que tanto adultos quanto crianças foram capazes de identificar imagens de cobras mais rapidamente do que outros objetos.

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"Acho que é possível que uma atenção elevada a coisas como cobras – as quais foram vistas em minha pesquisa – pode facilitar o entendimento sobre o medo das cobras. Mas eles devem ser aprendidos. Crianças muito pequenas e as um pouco maiores não têm medo de cobras", Vanessa LoBue, coautora do estudo e professora assistente na Universidade de Rutgers, me contou.

Entretanto, a pesquisa de LoBue gerou críticas de alguns membros da comunidade científica, os quais afirmaram que o estudo na realidade apresenta o medo "universal" de cobras como adaptação evolutiva, em vez de uma atitude complexa e pessoal em direção a elas.

O antropólogo e blogger do PLoS One Greg Downey escreveu a respeito do estudo: "Por que essas coisas me deixam maluco? Bem, em primeiro lugar, porque é o modus operandi típico da psicologia evolutiva: observe um aspecto normativo em sua vida, assuma que ele é universal e transforme-o em uma história 'por assim dizer' evolutiva que 'explica' o constructo normativo de alguém".

Além disso, até mesmo as descobertas de LoBue indicam que as pessoas não são pré-programadas com o medo de cobras. Pelo contrário, ela descobriu que crianças de idade entre 18 e 36 meses na realidade têm um interesse ávido em cobras, e em alguns casos, até se sentem atraídas por elas.

A tripofobia e a ofidiofobia são ambas irracionais e extremamente comuns. Talvez seja essa última qualidade que nos faz desejar uma explicação para elas. De certa forma, buscar descobrir um único ímpeto evolutivo para uma fobia é menos complicado do que diagnosticar todos os fatores sociais que podem tê-lo moldado.

Aqueles de nós que sofrem seriamente de tripofobia dificilmente melhorarão sem o apoio de terapeutas ou médicos. De acordo com a Clínica Mayo, medicamentos como betabloqueadores e antidepressivos são prescritos, por vezes, para controlar os sintomas associados às fobias, entretanto, a terapia cognitiva-comportamental pode permitir que pacientes administrem seus medos no longo prazo.

Em seu âmago, a tripofobia, como a conhecemos, parece ser um subproduto singular da biologia e do potencial viral da internet.

"A internet permitiu que as pessoas ao redor do mundo compartilhem suas experiências, incluindo aquelas resultantes dos sintomas. O resultado é que pessoas com condições raras podem descobrir que 'não estão sozinhas'", Wilkins me contou. "A tripofobia foi, provavelmente, agravada com algumas imagens photoshopadas, com o intuito de deixá-las especialmente horríveis. Entretanto, a tripofobia não é, definitivamente, um fenômeno da internet. Muitos indivíduos relataram suas experiências tripofóbicas muito antes da existência da internet."

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri