Maternidade no freezer: as jovens brasileiras que congelaram seus óvulos
Preocupadas em conquistar os espaços públicos, mulheres optam cada vez mais pelo congelamento de óvulos para postergar a maternidade. Crédito: Santa Monica Fertility

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Maternidade no freezer: as jovens brasileiras que congelaram seus óvulos

Preocupadas em conquistar espaços públicos, mulheres optam cada vez mais pelo congelamento de óvulos para postergar a maternidade.

Aos 23 anos, uma das minhas avós já tinha três filhos. Com a mesma idade, minha mãe já era casada e planejava ter uma família. Estou chegando nessa idade e não tenho nenhuma perspectiva de dar continuidade à raça humana pelos próximos dez anos, apesar de estar no ápice da idade fértil, segundo os médicos. As mulheres que vieram antes de mim lutaram muito para que a minha geração conquistasse o mercado de trabalho e espaço nas universidades. Uma das consequências diretas disso é que estamos tendo filhos cada vez mais tarde e em menores quantidades, quando temos. Nos anos 1960, a média de filhos do Brasil por família era em torno de seis. Hoje, dois ou menos.

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Dados do Ministério da Saúde mostram que cada vez mais as mulheres brasileiras estão tendo filhos com mais de 30 anos. Na sociedade, a decisão é vista com naturalidade, mas biologicamente a história é outra. A partir dos 30 anos, a qualidade dos óvulos cai muito e as chances de um aborto espontâneo, uma gravidez de risco ou do nascimento de um bebê com deficiência aumentam. Quanto mais próximo dos 40, mais apita o alarme do relógio biológico feminino. "A biologia não acompanhou a evolução social que a mulher teve, então a melhor saída é dar um jeitinho para engravidar antes dos 30", diz o presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), Dr. Mario Cavanha. "Quando não for possível, a gente indica o congelamento de óvulos."

De uns anos para cá, o congelamento de óvulos se tornou uma solução para as jovens mulheres que querem ser mães mas não pra já. O procedimento cria uma esperança que tem seu preço: cerca de 15 mil reais, além da taxa de manutenção para manter os óvulos na geladeira em cilindros de nitrogênio por quanto tempo a mulher quiser. Segundo o Dr. Bruno Scheffer, diretor do IBRRA Medicina Reprodutiva, um óvulo congelado não tem prazo de validade. Uma vez armazenado, pode ser reutilizado no momento em que a mulher desejar engravidar. É como se o óvulo tivesse acabado de ter saído do forno ovariano. Os médicos são bem otimistas e dizem que as chances de engravidar com um óvulo congelado são alta. "Espontaneamente, dos 30 aos 35 anos, as chances de engravidar são de 20% ao mês, depois cai para 10%, mas sob tratamento, até os 35 anos, as chances são de 60%, dos 35 aos 40, vai para 40%", explica o Dr. Scheffer.

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O início dos estudos sobre fertilização in vitro (FIV) e congelamento de esperma marca o começo das pesquisas sobre o processo de congelamento. A cada ciclo menstrual, o corpo feminino libera um único óvulo de um dos ovários. No procedimento de congelamento, é indicado que mais de um óvulo seja congelado para aumentar as chances de gravidez futura, então as mulheres recebem uma bomba de hormônios que superestimula os ovários a produzirem o máximo de óvulos que eles conseguirem para serem colhidos. A superestimulação dos ovários é feita por cerca de 15 dias. A própria paciente aplica injeções de hormônio na barriga para fazer seus ovários trabalharem. A colheita é feita por meio de uma técnica de aspiração e leva 15 minutos com a paciente sob anestesia. Tudo simples e indolor, tecnicamente.

"Acho que vou ficar mais tranquila, não vou ficar com essa preocupação de encontrar alguém"

Como todo procedimento envolvendo hormônios e anestesia, os riscos e desconfortos existem. "Com o tipo de estimulação para congelamento de óvulos que a gente faz, é muito raro ver isso acontecer", garante o Dr. Cavanha. Menos de 1% das mulheres desenvolvem a chamada síndrome da hiperestimulação ovariana, que causa torção de ovário, uma complicação bem grave. Fora isso, o desconforto gerado pela bomba de hormônios é bem grande. "Não aconselho ninguém a passar por isso", brinca Bárbara*. "A gente fica apreensiva, ansiosa, é difícil descrever, a gente fica confusa."Aos 38 anos, ela está esperando a crise de zika vírus diminuir em Recife, onde mora, para implantar os óvulos que ela congelou há cinco anos, aos 33.

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Depois de sofrer dois abortos e descobrir uma endometriose, ela foi aconselhada a congelar os óvulos para realizar o sonho de ser mãe. "Posterguei o máximo que eu pude a maternidade e evitei pensar no meu problema de saúde, mas congelar me dá uma esperança de conseguir engravidar", conta.

O caso é similar ao da supervisora administrativa Laura*, de 38 anos, que também recebeu indicação do médico para o procedimento devido a problemas de saúde. Ela começou a ter sintomas de menopausa precoce aos 30. "Tenho todos os sintomas, mas consegui congelar cinco quando tinha 35 e depois mais três, são meus últimos, e essa é a minha última tentativa, porque é um desgaste emocional muito grande, além de ser muito caro", afirma.

Depois de colhidos os folículos ovarianos, espécie de cápsula onde os óvulos se desenvolvem no corpo, eles são levados para um laboratório a fim de serem congelados por meio de uma técnica chamada vitrificação. "Antigamente a gente fazia um congelamento lento e ia abaixando a temperatura do óvulo, mas formavam-se cristais de gelo que rompiam o óvulo", explica o Dr. Scheffer. Para resolver o problema, cientistas japoneses inventaram o método da vitrificação, que congela o óvulo de forma mais rápida e evita a formação dos cristais, garantindo que o óvulo possa ser reutilizado no futuro.

"Me sinto meio mãe por ter parte de mim encaminhada. Pelo menos nos tubinhos, meus filhos já existem"

Aos 39 anos, a publicitária carioca Laís Orrico e decidiu congelar. "A gente é criada pra ser independente, não precisar de nada. Meu sonho de consumo não é família Doriana, então eu deixei passar o momento de ser mãe", conta. Ela conseguiu congelar nove óvulos anos passado e pretende engravidar ano que vem, com ou sem parceiro. É o mesmo caso da administradora Camila Hermano, de 38 anos, que vai passar pelo procedimento no próximo ciclo menstrual e quer engravidar mais perto dos 40. "Acho que vou ficar mais tranquila, não vou ficar com essa preocupação de encontrar alguém", relata. "Tenho vontade de ser mãe."

Hoje existem apenas cerca de 2 mil pessoas no mundo que nasceram de óvulos congelados. Mesmo assim, as mulheres que optam pelo procedimento veem a decisão com uma apólice de seguro. "Eu já me sinto meio mãe por ter parte de mim já encaminhada pelo menos nos tubinhos, meus filhos já existem", brinca Laís. "Tenho uma sensação de dever cumprido, meu sonho está em parte realizado, agora eu só preciso formalizar."

*Alguns nomes foram trocados a pedido das entrevistadas