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Tecnologia

A Caça Pelo HIV Oculto Ganha uma Nova Arma

Uma equipe de pesquisa do Instituto Salk descobriu um mecanismo crucial, até então desconhecido, usado no processo de replicação celular do vírus HIV.
Célula T H9 infectada pelo HIV. Crédito: NIH

Uma equipe de pesquisa do Instituto Salk descobriu um mecanismo crucial, até então desconhecido, usado no processo de replicação celular do vírus HIV. A chave para erradicar células HIV dormentes (e indetectáveis) pode estar numa enzina despretensiosa — uma das diversas enzimas envolvidas no processo de replicação do HIV, mas cuja ausência pode impedir o vírus de espalhar seu material genético, e portanto, a si próprio.

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O desafio do HIV está na capacidade do vírus se esconder e esperar. O vírus é paciente e parece desaparecer no corpo quando é ameaçado, mas sempre preservando uma base para poder se regenerar depois. O HIV é o exército de guerrilha das doenças contagiosas.

O vírus é capaz de permanecer anos dormente no corpo humano, vivendo dentro das (ou como parte das) células T CD4+ do sistema imunológico. São as células que mediam as reações do corpo a coisas tóxicas, ou nocivas de alguma forma, como antígenos estranhos. Anquiliar as células T CD4+ arruina a capacidade do sistema imunológico de detectar invasores patogênicos — é assim que a AIDS mata.

As células T podem ter uma vida longa, agindo como uma espécie de memória do sistema imunológico. Se você fosse um vírus em busca de um esconderijo (fugindo de medicamentos antivírus ou do próprio sistema imunológico), as células T seriam uma solução conveniente. Quando o vírus está dormente, não produz partículas HIV de fato. Em vez disso, ele simplesmente fica ali, numa boa, seguramente escondido dentro da célula-hóspede imunitária, em um estado quase que indetectável.

A chave para curar o HIV/AIDS está na capacidade de erradicar esse tipo de infecção latente. Basicamente, precisamos fazer o vírus começar a se reproduzir. Dessa forma, ele denunciará sua posição e poderá ser alvejado pelas próprias defesas do sistema imunológico e por novas terapias em potencial. Os medicamentos antirretrovirais, altamente ativos, que usamos hoje contra o HIV, são muito, muito bons em matar o vírus — e já salvaram milhões de vidas —, mas eles só conseguem matar o HIV quando o vêem. Tratamentos atuais quase sempre concluem o trabalho, mas nunca por completo.

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A pesquisa, publicada em detalhes na última edição da revista acadêmica Genes & Development, descreve uma nova proteína que parece ser responsável por "acordar" células HIV dormentes. A proteína, denominada Ssu72, interage com uma proteína chamada Tat, conhecida como uma "transativadora de transcrições". O papel da Tat é atuar como vigia química do vírus, sinalizando quando as condições forem favoráveis para replicação.

Quando ativadas, as proteínas Tat agem como moléculas auxiliares no processo de replicação do DNA. Quando o HIV ou qualquer outro vírus se preparam para sair, começam a se reproduzir. Para tanto, os virus encontram células-hóspedes, onde injetam seu material genético, transformando-as — queiram ou não queiram — em fábricas de vírus. A gripe, por exemplo, instala-se dentro das células alinhadas ao trato respiratório, enquanto a raiva começa no tecido muscular e segue rumo ao cérebro. O vírus por trás da pólio, poliomielite, usa as células nervosas como hóspedes. O HIV, claro, caça células imunitárias. A proteína Tat funciona como catalizadora e dá ao HIV a carta branca para se replicar dentro dessas células.

Para estudar a Tat a fundo, os pesquisadores do Instituto Salk compilaram uma lista de cerca de 50 proteínas com as quais ela interage. Uma delas se destacou: a Ssu72.

A Ssu72 é uma enzima (a maioria das enzimas é proteína) que, de acordo com pesquisas prévias, cataliza a transcrição genética dentro das células de levedura. Os pesquisadores decidiram que ela merecia uma análise mais minuciosa, e encontraram uma possível passagem para a cura da AIDS.

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A Ssu72 age por meio de um vínculo químico com a proteína Tat. O vínculo não só vem a calhar, como é algo essencial para o trabalho da Tat. Logo, a Ssu72 é mais do que útil, é um agente necessário para o HIV começar a se replicar. É uma descoberta incrível.

A Ssu72 é mais do que útil, é um agente necessário para o HIV começar a se replicar.

"A Tat é como um motor para a replicação do HIV, e a Ssu72 acelera o motor", declarou Lirong Zhang, autor principal do estudo e pesquisador do Instituto Salk. "Se focarmos na interação entre a Ssu72 e a Tat, talvez seremos capazes de parar a replicação do HIV."

Pesquisadores do HIV já haviam identificado algo muito semelhante à Ssu72, uma enzima chamada CycT1. O problema da CycT1, no entanto, é que ela é fundamental para funções celulares normais e saudáveis. Erradicá-la traria muitos efeitos colaterais.

"Muitas proteínas com que a Tat interage são essenciais para transcrições celulares normais, então não podem ser alvejadas, a não ser que você queira matar células normais", disse Yupeng Chen, coautor do estudo. "A Ssu72 parece ser diferente, ao menos a maneira como ela é usada pelo HIV."

Há dois rumos aparentemente bem diferentes que a equipe (e a pesquisa) tomam. Um deles é intuitivo: como alvejar e inibir a Ssu72. O outro é mais sutil. Possivelmente, os níveis inferiores da enzima são responsáveis — ou parcialmente responsáveis — pela dormência do vírus. A Ssu72, portanto, pode ser útil para acordar e alvejar o HIV.

Não seria o primeiro despertador do HIV. Em 2012, pesquisadores completaram os testes de um composto conhecido como SAHA, em experimentos feitos com seres humanos. O SAHA também induz a replicação do HIV e, além disso, parece ser seguro para humanos. Isso é muito importante, mas conforme os pesquisadores do SAHA comentaram na época, uma cura para o HIV tem duas facetas, o fator despertador e a erradicação de fato. Bem, uma descoberta como esta já é meio caminho andado.

Tradução: Stephanie Fernandes