‘Don’t Think I’ve Forgotten’ Documenta a Cena do Rock Cambojano Antes do Khmer Vermelho
Baksey Cham Krong. Foto da coleção pessoal de Mol Komach. Cortesia da Film Forum.

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Entretenimento

‘Don’t Think I’ve Forgotten’ Documenta a Cena do Rock Cambojano Antes do Khmer Vermelho

John Pirozzi dirigiu o documentário de longa-metragem sobre a cena do rock vibrante que floresceu em Phnom Penh antes que o Khmer Vermelho tomasse o poder em 1975.

Parecia que a única pessoa feliz no Hotel Pennsylvania era um homem que sobreviveu a um genocídio. A recepção do hotel no centro da cidade estava repleta de turistas. Aparentemente, todos estavam em Nova York com muitos parentes e malas enormes. Mas o músico cambojano Seang Tana – que parece um rockstar envelhecido em jeans escuros, jaqueta preta, chapéu de cowboy e uma camisa desabotoada até um ponto, o que vale a pena mencionar – irradiava alegria.

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Eu estava lá, em abril, para almoçar com Seang, outro músico cambojano chamado Mol Kagnol e o cineasta que me apresentou ao trabalho dele: John Pirozzi. Pirozzi dirigiu o Don't Think I've Forgotten, um documentário de longa-metragem em exibição pelo país. Mol e Seang foram dois músicos importantes na cena do rock vibrante que floresceu em Phnom Penh antes que o KhmerVermelho tomasse o poder em 1975.

Trailer oficial de Don't Think I've Forgotten (2005).

Embora o objetivo fosse conversar sobre a cena musical que surgiu no Camboja durante o reinado nada democrático (embora pró-cultura) do Príncipe Sihanouk dos anos 1950 aos 1970, eu tinha imaginado que o encontro seria entre "um diretor norte-americano e dois homens que viveram um sofrimento indescritível".

Cerca de dois milhões de pessoas morreram durante o regime comunista de quatro anos de duração por meio de execuções ou pela fome – em alguns casos, devido ao trabalho forçado –, incluindo diversos membros das famílias dos músicos. Os artistas eram alvo em potencial, porque o Khmer Vermelho tentou pôr em prática as visões agrárias da sociedade. Diversas grandes estrelas da cena (como Sinn Sisamouth, Ros Sereysothea e Pan Ron) provavelmente morreram dessa forma, apesar de que, assim como um dos entrevistados afirmou, "nada fosse certo".

O gerente de relações públicas da Film Forum, que exibiu a estreia da exibição do Don't Think I've Forgotten nos EUA, me ofereceu algumas informações prévias dos músicos antes de nosso almoço. Mol tocou na banda de guitarras de jovens Baksey Cham Krong, formada no fim dos anos 1950. Ele vive exilado nos EUA desde 1975; naquela sexta-feira, 24 de abril, Mol estaria subindo no palco com seu irmão, que ele acreditou estar morto durante décadas, pela primeira vez desde 1967. Seang estivera na banda posterior e mais pesada Drakkar: ele "viveu mesmo no Camboja durante a era Khmer Vermelho". O que significa que ele estava em um campo de prisioneiros.

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Sinn Sisamouth no estúdio de gravação. Fotografia cortesia do DTIF Cambodia LLC.

As histórias em Don't Think I've Forgotten são pessoais e detalhadas; além disso, elas estão entrelaçadas com acontecimentos políticos que aparecem em ordem cronológica. Para quem não conhece muito sobre o país, os nomes, as datas, os golpes, as alianças e, em última análise, as tragédias podem parecer opressivos. Pirozzi quer apresentar a cultura a quem a desconhece do jeito mais acessível possível.

Seu interesse no país remonta aos meses em que esteve lá em 2001 trabalhando como operador de câmera no thriller perverso de Matt Dillon City of Ghosts.

"Eu sabia o que era o Khmer Vermelho, mas não conhecia os detalhes sobre como eles chegaram ao poder e o que aconteceu exatamente", ele me falou. "É possível ver que a cidade estava muito diferente do que era antes."

Os pais dos dois os deixaram tocar com uma condição: que eles não se tornassem músicos profissionais.

No início, ele queria fazer um filme simplesmente sobre a história moderna do Camboja. "É como uma tragédia shakespereana, com vários personagens trágicos e grandes lutas pelo poder", afirmou. Até ouvir a música deles.

"Eu queria mostrar que a música sobrevive apesar de tudo o que acontece", Pirozzi disse ao New York Times. "A música é a única coisa que os cambojanos podiam acessar em uma época em que só havia guerra e genocídio."

Banda Bayon. Fotografia da coleção pessoal de Samley Hong. Cortesia da Film Forum.

Durante um tempo, ele financiou o projeto sozinho, indo e voltando de Los Angeles sempre que possível e conduzindo pesquisas com a ajuda de uma equipe que parecia ter investido no filme tanto quanto Pirozzi. Sua mulher, Linda Saphan, uma socióloga, atuou como produtora associada, pesquisadora e tradutora para o filme. Nate Hun, um colecionador de discos de 28 anos, também atuou como produtor associado, principalmente porque seu amor pelo rock cambojano do meio do século passado beira o fanatismo – é a única coisa que ele ouve.

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"Ele conhece todas as músicas", Pirozzi comentou sobre Hun. "Conheci o pai dele e perguntei: 'Seu filho é tão obcecado com a música. O que o senhor acha disso?'. E o pai respondeu "Só consigo pensar que ele é um músico dos anos 1990 que morreu e reencarnou como o Nate."

Não é difícil entender por que alguém é tão obcecado com a música ou com sua parte da história. Há os elementos "shakespereanos" da situação política complicada da era antes do Khmer Vermelho, mas a música que surgiu daí é tão dinâmica quanto. Ela atinge um ponto entre diversão e riqueza, de batida fácil e um tanto hipnotizadora. Para um ouvinte ocidental, as vozes desconhecidas do Khmer se elevam sobre a excelência familiar, e as letras, cujas traduções aparecem em legendas no filme, são surpreendentemente progressivas. (Em uma música de Huoy Meas, ela canta "Pare de perguntar pelo seu pai/ Ele é um manipulador de mulheres e uma vergonha".) Além disso, assim como muito da cultura da época que sobreviveu, tudo – as cores, as estampas, os cabelos – é muito estiloso.

Enquanto grande parte da trilha sonora do Don't Think I've Forgotten se sobrepõe à compilação relativamente conhecida Cambodian, as informações bastante extensas de Pirozzi do encarte oferecem quase tanto contexto quanto o documentário em si. Eles deixam claro que o projeto era um empreendimento de fôlego, não uma descoberta casual.

Entretanto, houve momento de frustração.

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"Uma das perguntas que eu fazia com muita frequência a todos que eu entrevistava era: 'Qual foi a primeira banda de guitarras?'.", Pirozzi frisou. "Todo mundo disse, com certeza, que foi a Baksey Cham Kron."

Foi aí que começaram as dificuldades. Pirozzi não encontrava nenhuma gravação do Baksey Cham Krong em lugar algum, e cada vez mais parecia que o filme ia perder uma referência muito importante e influente.

"Acho que a guerra, o Khmer Vermelho e a vida de todos ficaram completamente de pernas para o ar, e uma névoa envolveu toda a cultura", Pirozzi opinou. "Foi muito difícil tentar olhar para além dela."

"Eu vi a capa do meu disco pela primeira vez em quase 40 anos", Mol disse. "Achei que tinha se perdido para sempre."

A virada aconteceu quando Pirozzi recebeu em Washington D.C. uma ligação de um amigo descendente de cambojanos. Ele tinha acabado de conhecer um homem, Mol Kagnol, que tocou guitarra em uma banda chamada Baksey Cham Krong. Mol não somente tinha cópias em vinil das gravações originais da banda, mas também possuía fotografias.

Uma presença mais discreta do outro lado de nossa mesa – apesar de ter se empolgado bastante quando a conversa passou para o assunto guitarras –, Mol apareceu com o vinil e as fotografias, uma virada de jogo que agraciou Pirozzi. Em um evento da embaixada do Camboja em Washington, ele conheceu um cara que mencionou ter três vinis do Baksey Cham Krong. Esse homem os ofereceu a Mol com uma condição: depois de remasterizados, ele queria algumas cópias.

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"Eu vi a capa do meu disco pela primeira vez em quase 40 anos", Mol destacou. "Foi como… eu quase chorei."

Ele continuou: "É incrível que John tenha resgatado a história. Estou surpreso. Achei que tinha se perdido para sempre".

Seang, elevando sua voz estridente, parecia corroborar Pirozzi. A música sobreviveu, houve um tempo antes da guerra e do genocídio. Durante nosso almoço, Seang com frequência ria ou soltava exclamações conforme se lembrava de detalhes de seus dias de glória: no colégio, ele costumava ver Mol dirigindo por Phnom Penh "todo elegante em seu Mustang".

Mol, como se descobriu, foi uma inspiração e um mentor para Seang na juventude. Os dois vieram de famílias bastante ricas, que permitiram que eles tocassem música, garantindo a eles acesso e permissão para isso.

"Na cena musical [de Phnom Pehn], todo mundo se conhecia", Pirozzi informou.

Mol me contou da vez em que Sinn Sisamouth, que aparece ao longo de Não pense que esqueci representado como o ancestral do pop cambojano, apareceu para pedir um microfone emprestado ao seu pai. Após ver a reverência com que os entrevistados falavam de Sisamouth no filme, fiquei impressionado – é mais ou menos como se o Frank Sinatra aparecesse para usar sua máquina de lavar roupa.

Da mesma forma, Seang também era abastado. Após ele ter se saído muito bem em seus exames finais, seus pais compraram sua primeira guitarra (uma Yamaha) por absurdos 10 mil riéis. "É quase o preço de uma motocicleta!", Seang exclamou com a voz falhando de empolgação. "Eu fiquei com a guitarra, porque ninguém na cidade tinha uma guitarra boa como a minha."

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Os pais dos dois os deixaram tocar com uma condição: que eles não se tornassem músicos profissionais. E o acordo foi, na maior parte, bom para Sean e Mol – a música era diversão, não trabalho.

A banda Drakkar. Cortesia da banda Drakkar.

Muitos dos músicos que aparecem no documentário, incluindo Mol e Seang, foram influenciados por gravações e filmes trazidos pelos diplomatas ocidentais e militares norte-americanos que ocuparam o Vietnã e, em seguida, o Camboja. Eles aprenderam a tocar por conta própria ouvindo bandas que variavam do grupo instrumental de pop britânico Shadows aos Beatles e ao Carlos Santana.

Já faz mais de 40 anos desde que Mol e Seang se conheceram, mas as histórias ressurgem para eles com facilidade conforme os detalhes aparecem. Depois que a Baksey Cham Krong se desfez na faculdade, Mol manteve seu envolvimento na cena musical oferecendo orientação. Ele também produziu o disco da banda de Seang, a Drakkar, em um estúdio improvisado na casa da família Mol. Para proteger as gravações dos ruídos, "eles colocaram tapetes nas paredes".

"Eu não esperava que fosse cantar, porque minha voz é muito diferente. Não é como a dos outros cantores", Seang contou, gesticulando para o velho amigo sentado à sua frente. "Foi ele que disse: 'Não, sua voz é única. Mantenha isso!'."

"Eu senti saudades dele", Seang afirmou (de modo enérgico mas feliz), olhando de volta para mim. Então ele se virou para Mol. "Por que você não quer voltar para o Camboja?", perguntou. E Mol deu de ombros.

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Um fechamento para o documentário poderia incluir o que Mol fez depois que saiu do Camboja poucos meses antes de Pol Pot liderar um exército de guerrilheiros comunistas até a capital e expulsar seus cidadãos. Após abandonar a vida de estrela do rock, de acordo com o desejo de seus pais, para cursar engenharia estrutural na universidade e se tornar piloto de helicóptero para o governo cambojano – que, prestes a cair, era apoiado pelo norte-americano durante a guerra civil –, Mol chegou a San Antonio, no Texas, em 1975.

Ele estava em Fort Eustis, Virgínia, para um curso de piloto de teste quando o Khmer Vermelho tomou o poder. Após completar o curso, Mol ficou preso nos Estados Unidos sem poder se comunicar com a família, cuja maior parte, ele descobriu mais tarde, fora "deixada para trás e exterminada". Com pouco mais de 300 dólares no bolso, ele se tornou aquilo que havia prometido não fazer para sobreviver.

"Quando saí da base do Exército, nada mais tinha valor", Mol resumiu. "Não conseguia encontrar trabalho. Minhas habilidades, meu diploma, minhas credenciais não valiam mais nada. A única coisa que eu tinha era uma guitarra."

Don't Think I've Forgotten está em exibição nos cinemas dos EUA.

Lauren Oyler é editora da Broadly. Siga-a no Twitter.

Tradução: Amanda Guizzo Zampieri