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Quão nojento é andar de sapatos calçados dentro de casa?

A ciência por trás dessa pergunta é muito mais nojenta que aquelas bactérias na sola do seu tênis.
Foto: Linda Raymond/Getty.

Este artigo foi publicado originalmente na nossa plataforma Tonic.

Sempre tiveste um bocado de fobia a germes. A tua casa hermeticamente selada é um paraíso de desinfectantes, sabonetes anti-bacterianos e purificadores de ar. Suponhamos que convidas umas amigas para uma sessão do clube de leitura - não te preocupes, mais ninguém leu o livro - e uma delas entra pela imaculada habitação adentro com os seus quase novos Chuck Taylors calçados. Segue até à cozinha para ir abrindo o vinho e tu soltas um grito de horror: "TIRA OS SAPATOS!".

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Antes de ela sequer ter a oportunidade de te mandar um "o quê pá?", começas um monólogo digno de Óscar sobre como os seus sapatos estão cheios de bactérias E. coli, estafilocócicas, toxinas, germes, vírus e todas as outras formas de porcaria. A tua amiga descalça-se constrangida, deixando à vista as meias de cada cor e esgueira-se de volta para a sala onde o resto dos teus amigos literati estão desesperadamente a tentar esconder os pés para evitar escrutínio.

Mas será que os sapatos agarram mesmo assim tantas bactérias?

Sim. Os teus sapatos estão cobertos de bactérias, vírus, germes e parasitas. Mas também, isso não importa. A menos que vivas num laboratório esterilizado, o resto da tua casa também está - e tu também.

Em 2016, um estudo feito por investigadores da Universidade do Arizona incendiou o mundo dos germofóbicos, com um relatório que dizia que, em média, um só sapato está coberto de 421 mil bactérias e que 90 por cento dessas bactérias passam para um chão de azulejo, limpo, ao primeiro contacto. Em 2017, um estudo sobre bactérias nos sapatos levado a cabo pela Universidade de Houston, mostrou que mais de 26 por cento dos sapatos examinados testaram positivo para clostridium difficile, uma bactéria que causa uma super diarreia potencialmente mortal. Isto é mais do triplo da quantidade que normalmente se encontra em cozinhas e casas-de-banho.


Vê: "Os virus que matam superbactérias resistentes aos medicamentos"


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Enquanto estas estatísticas e estudos podem fazer parecer que todos os sapatos são portadores da morte, não contam propriamente a história completa. Toda a gente tem que se acalmar e voltar a calçar os sapatos, segundo Amesh Adajla, um perito em doenças infecciosas do departamento de Segurança na Saúde do John Hopkins Center.

"O facto de, simplesmente, se descalçar os sapatos não vai diminuir substancialmente a quantidade de micróbios em tua casa - nem quererias que assim fosse - porque muitas vezes, 99 por cento dos microorganismos do Planeta não fazem mal nenhum", sublinha Adalja. E acrescenta: "Vejo que a generalidade das pessoas ficam presas nesta preocupação de manter tudo o mais esterilizado possível, sem se aperceberem de que os soalhos das suas casas (já) estão repletos de microorganismos, tais como bactérias e vírus".

Apesar de algumas dessas bactérias poderem, em algumas circunstâncias, ser nocivas, elas estão misturadas com muitas mais que são benéficas para nos fortalecer o sistema imunitário e ajudar a nossa digestão. Um estudo de 2014 que teorizava sobre uma Terra sem bactérias, apresentava-a como um mundo obscuro, livre de vírus e cheio de prisão de ventre e lixo biológico não processado. Adalja também assinalou que presumir que tirar os sapatos significa que não vais arrastar bactérias ao entrar casa adentro não passa de uma falácia.

"Quer dizer, há muito material patogénico nas nossas meias," diz Adalja. E salienta: "Deveríamos tirá-las também? E depois a bactéria que está na pele dos nossos pés - o que é que vais fazer, arrancar a pele? Acho mesmo que isto é uma tentativa mal orientada, sem se tentar compreender que o Planeta está dominado por organismos microbianos. Não há razão para o esterilizarmos demasiado".

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Um recente estudo sobre os locais com mais germes e bactérias em casa apontou para áreas em que, provavelmente, nunca pões os teus sapatos ou pés descalços. O estudo de 2011 conduzido pela NSF International identificou lava-louças, tábuas de cortar, esponjas de cozinha e canecas das escovas de dentes, como sendo os locais preferidos das colónias de bactérias que incluem salmonela e E. coli.

Então, algumas bactérias que arrastas nos sapatos podem ser benéficas?

As bactérias existem em quase todo o lado e isso é pelo melhor. Um estudo de 2014 projectava que a vida na Terra ia continuar na ausência de micróbios, mas só numa forma que era "incompreensivelmente má". Ainda assim, Adalja diz que a menos que tenhas um sistema comprometido devido a uma condição de saúde, não precisas de começar a esfregar a cozinha com lixívia.

"Se fores esfregar a casa de alguém ", diz Adalja, "vais encontrar todas as bactérias assustadoras em que pensas, mas isso não significa que te vão infectar". Adalja diz que o nosso sistema imunitário, incluindo a pele, está altamente capacitada para impedir estes agentes patogénicos de nos porem doentes. Ele admite que aqueles que têm sistemas imunitários comprometidos, por exemplo por HIV, um transplante de órgãos recente ou por tratamentos de quimioterapia estão mais susceptíveis.

É uma questão de manter uma boa e regular higiene pessoal e senso comum, diz o especialista. Se te cortares, desinfecta, põe um penso e segue a tua vida. "Não é como se fosses apanhar infecções por causa do teu sofá", acrescenta. E destaca: "É um gasto de energia preocupares-te com estas coisas em tua casa, quando estás constantemente fora, em ambientes em que lidas com bactérias a toda a hora e as pessoas são-lhes muito resistentes".

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E se tiver uma criança a gatinhar pela casa? Isto já permite instalar a regra "sem sapatos"

No que toca a proteger a tua preciosa cria de coisas como micróbios de sapatos, Adalja diz que não estás a fazer favor nenhum ao sistema imunitário do teu filho ao esterilizar demasiado o ambiente à sua volta. Ele acredita que esse é um dos factores da difusão da resistência a antibióticos e que "crianças sujas" mais facilmente vão crescer saudáveis. "Devido a algo chamado hipótese higiénica, sabemos que, quanto mais esterilizado estiver o ambiente no qual cresce a criança, mais provável é que, enquanto adultos ou adolescentes, apanhem doenças auto-imunes, alergias, coisas como asma ou eczema", garante.

Adalja tem tão pouco medo de bactérias nos sapatos que estendeu a "regra dos cinco segundos" para "regra dos quinze minutos" para ele próprio. "Tens o teu bocadinho de chouriço no prato. Achas que as bactérias que estão no ar não aterram nele? A não ser que o deixes cair em algo que saibas que é tóxico ou que tem pedras e terra… não vejo nenhuma razão para deitar a comida fora".

Adalja diz que a única razão pela qual diria a alguém para tirar os sapatos dentro de casa seria por razões estéticas, como arrastar terra ou lama para um tapete branco. E, honestamente, poderias mesmo viver contigo próprio se tivesses um tapete branco? Isto não são os anos 80 em Miami e tu não és o Scarface.

Ainda estou com paranóia. Em que circunstâncias é que bactérias dos sapatos me poderão pôr doente?

Se por acaso estiveres a ensaiar a tua audição para os STOMP num campo de alfaces contaminado com E. coli e depois fores directamente para casa de um amigo fazer um encore na sala e depois tu e as tua amigas decidirem comer tapas directamente do chão, alguém poderá ficar doente.

A menos que passes o dia a passear pelo meio de cocó de vaca e depois fizeres uma performance na tua sala, ou chegares a casa depois de um longo dia na fábrica de veneno para ratos e puseres os teus sapatos no balcão da cozinha para relaxar, o pior cenário é provavelmente aquela pastilha elástica que pisaste na rua ficar presa ao tapete.


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